Conques

20 de julho de 2019

A pequena Conques, no departamento do Aveyron, ocupa uma posição espetacular no alto do desfiladeiro arborizado do rio Dourdou, um pequeno afluente do rio Lote. Altamente pitoresco e calmo, o vilarejo é conhecido como um dos grandes bijoux do sudoeste da França, onde partes dos muros medievais ainda sobrevivem, juntamente com três de seus portões e as casas, que datam do final da Idade Média, são divididas por carreiras de paralelepípedos e escadas que convidam a perambular. Situada no alto das colinas, Conques é o lar de uma magnífica igreja românica e o único santuário medieval no caminho de Santiago de Compostela que ainda sobrevive intacto. Graças a sua posse dos numerosos presentes de peregrinos e reis, além das relíquias de uma mártir virgem, a abadia românica de Sainte Foy é uma parada importante na rota de peregrinação medieval.

Ponto convergente de todos os peregrinos, a abadia de Conques foi fundada em 819 d.C., quando a área florestal ainda era desabitada, harmonizando-se com o isolamento necessário para oração e meditação. O local foi escolhido por um eremita chamado Dadon, que mais tarde fundou uma comunidade de monges beneditinos. No mesmo ano em que a abadia foi fundada, as relíquias de São Tiago foram descobertas em Compostela, na Espanha, trazendo rios de peregrinos que começaram a abrir caminho para o santuário. Essas rotas religiosas passavam por santuários menores ao longo do caminho, que logo se tornaram ricas com as dádivas presenteadas pelos peregrinos e com o crescimento do turismo religioso. Os monges de Conques atraídos pelas riquezas materiais conspiraram para apropriar-se de algumas relíquias de outras paróquias com o objetivo explícito de atrair novos peregrinos para esta região. Em 866 d.C., um monge de Conques foi enviado para se juntar a um mosteiro em Agen, que tinha as relíquias de Sainte Foy, uma virgem martirizada em 303 d.C. sob o reinado de Diocleciano, conhecida por sua virtude em curar a cegueira e liberar os cativos, atraindo muitos peregrinos para seu estatuário-relicário. O irmão Conques atuou como um monge fiel durante 10 anos em Agen até conseguir usurpar as relíquias, que trouxe de volta com ele para o vilarejo. Os restos mortais da santa foram colocados dentro de uma estátua-relicário dourada até o final do século IX e, como era de se esperar, o itinerário de peregrinos mudou de Agen para Conques.

Com o fluxo crescente de peregrinos que deixavam joias para serem adicionados à estátua da santa, o convento de Conques prosperou, inclusive, com doações de figuras históricas, como os reis Pepin e Carlos Magno, que enviaram tesouros de ouro, que os melhores ourives competiam entre si para criar ornamentos e recipientes para as relíquias. A oferta de presente precisosos era tamanha e a afluência de peregrinos não parava de crescer que, no século 11, tornou-se necessário construir uma igreja maior para acomodar as centenas de peregrinos que atravessavam o vilarejo. A construção da nova igreja de Sainte Foy foi dirigida pelo abade Odolric (1031-1065) e finalizada em torno do ano de 1120. Restaurada no século XIX, sob a direção de Prosper Merimée, o primeiro inspetor de monumentos históricos da França, a igreja com suas antigas relíquias continua atraindo milhares de peregrinos.

A igreja da Abadia de Sainte Foy fica no centro do vilarejo, dominando a paisagem harmoniosamente, com suas grandes torres pontiagudas que ecoam face aos telhados das casas medievais que se amontoam ao redor. A fachada dessa fortaleza tem vista para uma pequena praça de paralelepípedos, ao lado da estância turística, onde os peregrinos descansam e renovam suas energias de suas longas caminhadas, e está rodeada por jardins em terraços. Do lado de fora, a característica mais notável da igreja, que foi construída de forma simples, é uma grande escultura românica que trata do Juízo Final, centrada sobre as portas principais, esculpida entre 1107 e 1125, sob a ordem do abade Bonifácio.

Nessa cena cheia de presteza, expressão e detalhes, muitas das figuras são pessoas históricas contemporâneas, incluindo abades específicos, bispos e reis, vários dos quais aparecem entre os condenados. Cristo em majestade preside a cena no centro, enquanto o Arcanjo Miguel e um demônio pesam as almas dos mortos em escalas a seus pés. Uma profusão de santos e figuras históricas – incluindo um abade de Conques e o imperador Carlos Magno – se movem em procissão à esquerda. À direita encontra-se um grupo de quatro anjos e algumas punições inventivas aplicadas aos condenados, acima da cabeça de Cristo, os anjos possuem estandartes com inscrições que conjecturam uma passagem bíblica do livro de São Mateus.

No nível inferior, o Céu e o Inferno são retratados como edifícios cobertos, cada um com uma porta de entrada. No lado direito da cena, os condenados são empurrados para dentro das mandíbulas do inferno e as torturas são mostradas em grande detalhe, incluindo, alguns personagens desprezados pelos monges: um bispo que governou a área está preso em uma rede, os caçadores furtivos na propriedade da abadia são assados ​​pelo coelho que eles pegaram, entre outras cenas de punição. À esquerda estão os justos, retratados de forma menos vívida mas com minúcias impressionantes. Os escolhidos são recebidos pelos anjos, que os conduzem calma e docemente pela mão em direção a uma porta ornamentada. Do outro lado desta porta, o céu é mostrado como uma cidade, representando o conceito do Reino dos Céus e a Jerusalém Celestial. No centro, encontra-se Abraão, que abraça duas almas salvas e está ladeado por profetas à sua direita e santos à sua esquerda, cada um representado por duplas de homens e mulheres. No interior, a igreja é atrativa, mas com arquitetura bastante simples, exceto pelas 212 colunas dos claustros, que são cobertas com encantadores capitais românicos, que retratam folhas de palmeira, flores, cenas da vida de Sainte Foy, pássaros, monstros e vários símbolos religiosos. A única adição moderna na igreja é um vitral do único santo que viveu no mosteiro, São Jorge de Conques, um simples monge conhecido por sua piedade.

As relíquias de Sainte Foy foram originalmente exibidas em um santuário, cercadas por uma fina tela de ferro forjado protegendo-a dos ladrões. Essa tela foi feita a partir dos grilhões derretidos ofertados pelos peregrinos que haviam sido libertados do cativeiro na Espanha, quando o país foi ocupado pelos muçulmanos, graças à intercessão de Sainte Foy. A estátua reverenciada agora está protegida em um museu ao lado dos claustros, mas ela é levada ao altar em procissão todos os anos no dia da festa, 6 de outubro. A maioria dos claustros da abadia desapareceram, porém, alguns arcos ainda podem ser vistos ao redor do gramado do lado sul da igreja. No centro do pátio há uma grande bacia serpentina em pedra esverdeada, que foi reconstruída a partir de peças originais como parte de uma renovação dos claustros e está decorada com pequenas figuras de atlas assim como de outras fisionomias.

A galeria do lado oeste do pátio contém algumas capitais românicas fascinantes, que foram encomendadas pelo abade Bégon III (1087-1107), cujo tema incluem cavaleiros na batalha, sopradores e uma anunciação. Uma das figuras especialmente encantadora retrata os trabalhadores da construção do site se inclinando sobre uma torre inacabada, segurando as ferramentas do seu ofício. O lar do pequeno Museu do Tesouro, que tem uma taxa de entrada, encontra-se na galeria ocidental do claustro e a estátua de Sainte Foy, que data do século IX, contendo suas relíquias, é a grande atração local. Uma obra que impressiona pela quantidade de adereços em ouro e pedras preciosas, ricos ornamentos que oferecem uma visão surpreendente. Além de ser o único exemplo de santuário nesses moldes, a estátua-relicário, muito comum na Idade Média, é a mais antiga sobrevivente do cristianismo ocidental.

A figura banhada em dourado parece a estátua de um imperador romano, o rosto tem uma expressão suave, quase vazia, mas os olhos são piedosos e penetrantes. As relíquias consagradas dos peregrinos encontram-se na parte de trás da estátua, que é feita de madeira e completamente banhada de ouro. A santa, que está sentada em um trono, usa vestes douradas e uma coroa incrustada com joias e artefatos em profusão, que datam da época romana. Ainda no Museu do Tesouro há mais de 20 obras de arte douradas, incluindo, um baú do século IX doado pelo rei Pepin e a letra dourada “A”, doação de Carlos Magno, o rei dos Lombardos, que tinha uma predileção pelo vilarejo.

A rota de peregrinação medieval para Santiago de Compostela que passa por Conques, chamada Via Podensis, começa em Le Puy, no leste da França, e prossegue para o oeste por um terreno difícil e montanhoso antes de chegar na encosta do vilarejo. Peregrinos vindos de Le Puy e Estaing entram em Conques pela Rue Haute (Rua Alta), rodeam o santuário de Sainte Foy três vezes, depois param em frente à estátua do relicário dourado para pedir a santa uma viagem segura à Santiago, que pode levar um ano de caminhada por vias perigosas. Sainte Foy é o único santuário medieval, que faz parte das rotas de peregrinação para a Espanha, que sobreviveu às Guerras de Religião (1562-1598) e à Revolução Francesa (século XVIII).

TEXTO & EDIÇÃO – Marilane Borges

IMAGEM – Christian Nouzillet em reportagem especial para Correspondance Magazine®

   Transporte e suporte logístico –  Wilfried Meunier da empresa L’amitié Voyage

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