Retrato íntimo de Marguerite Yourcenar

14 de novembro de 2018

“É preciso sempre de um pouco de loucura para se construir um destino”, dizia Marguerite Yourcenar (1903-1987), ela sabia do que falava como uma mulher livre, cidadã do mundo, grande viajante, apaixonada pelas filosofias orientais e escritora renomada. O livro “Portrait Intime de Marguerite Yourcenar”, em tradução livre “Retrato Íntimo de Marguerite Yourcenar”, escrito por Achmy Halley e lançado pela editora Flammarion, convida o leitor a desvendar sua intimidade de mulher independente e escritora de talento, revelando traços pouco conhecidos de sua existência, de sua paixão pela jardinagem e pela gastronomia. Yourcenar era fanática por guloseimas e adepta de uma cozinha simples, tanto que nesta publicação o leitor vai encontrar várias receitas tiradas dos cadernos da escritora e publicadas pela primeira vez.

Para coroar sua gourmandise, a escritora recebeu uma homenagem gastronômica da confeitaria Méert, que data do século 17, e fabrica waffles com a mesma receita desde 1850. A confeitaria de Lille, localizada no norte da França, era um dos lugares prediletos de Marguerite Yourcenar, quando a escritora visitava os avós na região dos Flandres. Até mesmo quando morava nos Estados Unidos, Yourcenar sempre pedia que seus visitantes levassem os famosos waffles Méert para ela. Paul-Henri Guermonprez, historiador da Maison Méert, cita os ingredientes da receita predileta da escritora: recheio de frutas vermelhas, mirtilo, groselha preta e limão, que atende pelo nome de “Waffles de Marguerite Yourcenar”. Essa guloseima pode ser degustada juntamente com o chá “Caricias do Buda” nas boutiques Méert em Lille, Bruxelas e Paris.

Correspondance Magazine® conversou com o escritor Achmy Halley, Doutor em Letras e pesquisador de literatura contemporânea, que escreveu o “Portrait Intime de Marguerite Yourcenar” e nos segredou a arte de viver da escritora para dividir com o leitor a harmonia da escritora com a natureza, suas paixões e as lutas pioneiras, de ecologia e proteção animal, de Marguerite Yourcenar. Como seguidora do desenvolvimento sustentável e apóstola do vegetarianismo, a primeira mulher eleita para a Academia Francesa colocou em prática, ao longo de sua existência, uma filosofia de vida voltada para o futuro do planeta e o homem do amanhã.

Quais fatos históricos culminaram com a publicação do livro “Portrait Intime de Marguerite Yourcenar”?

– Descobri Yourcenar, no colégio, lendo seu primeiro romance, “Alexis ou le traité du vain combat”. Desde então, nunca parei de lê-la e, a cada vez, tenho a impressão de descobrir novos aspectos de seu pensamento e de sua arte. Apaixonado pela literatura contemporânea, realizei estudos de letras modernas que resultaram em uma tese sobre Yourcenar e a publicação de inúmeros artigos, estudos e a edição crítica de alguns de seus textos inéditos. Em 2007, tornei-me diretor da Villa Marguerite Yourcenar, localizada em Mont Noir, no norte da França, onde a família de seu pai possuía uma propriedade e a escritora passou parte de sua infância. Em dez anos, organizei várias exposições, leituras, reuniões, que despertaram o interesse do público, sempre curioso em descobrir ou redescobrir Yourcenar.

Como você se preparou para escrever este livro sobre a escritora?

– Meu livro é o resultado de vinte anos de pesquisa durante os quais tive acesso a muitos documentos, correspondências, manuscritos, notas,  guardados nos arquivos de Yourcenar da Universidade de Harvard, mas também nos fundos “Bernier-Yourcenar”, que pertecem aos Arquivos Departamentais do Norte, em Lille, de cujo inventário sou responsável. Fiquei hospedado muitas vezes em sua casa americana no Maine, na ilha de Monts-Déserts. Consegui consultar sua biblioteca, seus cadernos, suas fotografias e mergulhar na atmosfera particular do seu doce lar. Finalmente, reuni o testemunho de vários parentes da escritora que me contaram como era Yourcenar no seu cotidiano, em sua privacidade.

Conte-nos um pouco sobre a gênese deste livro sobre Yourcenar. Você tinha um fio condutor que o guiou neste projeto?

– A idéia de escrever um retrato íntimo de Yourcenar nasceu como resultado de minhas estadias em sua casa americana na ilha de Monts Déserts e da descoberta de seus arquivos, cartas e fotos inéditas que testemunham sua personalidade singular e fascinante. Queria mostrar o oposto da imagem veiculada sobre a grande escritora clássica e seu comportamento considerado arrogante, que remonta a sua histórica eleição para a Academia Francesa, em 1980. Trinta anos depois de sua morte, quis mostrar que muitos temas em seus livros e algumas de suas lutas fazem dela uma pioneira em diversas áreas, como a ecologia e a luta contra a exploração animal. Sua paixão pelos filósofos orientais, sua prática do vegetarianismo e suas escolhas em sua vida diária precederam várias décadas o conceito atual “feliz sobriedade.”

Qual a parte mais gratificante de todo esse trabalho para você? Como e por quê ?

– Adorei mergulhar nos arquivos de Marguerite Yourcenar, descobrir cartas inéditas, folhear seus livros para descobrir suas anotações e às vezes desenhos rabiscados nas margens. Também tive acesso a fotos pessoais que nunca foram publicadas antes e que reproduzi no meu livro.

Qual é o traço de personalidade de Yourcenar que mais marcou você ?

– Sua liberdade em todas as áreas: em sua vida como mulher, suas escolhas amorosas, seus livros, suas lutas cidadãs, suas viagens, suas escolhas políticas… Eu realmente gosto do que ela disse no final de sua vida a uma jornalista: “Eu me considero um dos escritores mais subversivos que existe, tanto na vida quanto nos livros, motivados por uma absoluta recusa de todas as fórmulas e controles.” É disso que gosto acima de tudo em Yourcenar, do fato que ela foi uma mulher decididamente livre e totalmente inclassificável!

Existem personalidades do mundo artístico ou de outro setor que influenciaram você e sobre as quais você gostaria de dedicar um livro?

– Além de Marguerite Yourcenar, sou fascinado pela vida e pelo trabalho de outros grandes escritores, artistas e viajantes frequentes. Estou pensando em particular em dois destinos de mulheres do século 20 de que realmente gosto e posso citar dois: a exploradora, escritora e orientalista Alexandra David-Néel e a cantora egípcia Oulm Kalthoum. Mas antes que eu possa dedicar um livro a uma dessas duas grandes figuras femininas que admiro, tenho outros projetos a respeito de Yourcenar para realizar.

Quando podemos esperar então por esse projeto? Ou ainda é cedo demais para falar sobre esse assunto?

– É muito cedo para anunciar um futuro livro sobre Yourcenar, que gostaria de contar na forma de ficção biográfica, baseado nos últimos anos de sua vida, suas últimas viagens, sua última paixão amorosa. Mas esse trabalho delicado deve levar vários anos para ser concluido bem.

EDIÇÃO DE TEXTO – Marilane Borges

PORTRAIT de Marguerite Yourcenar © Silvia Baron Supervielle

IMAGEM © Julien Magre, Cortesia da “Galerie Le Réverbère”, em Lyon

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