Saint Guilhem-le-Désert

10 de junho de 2016

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Situado entre as terras altas da Lozère e as planícies do Mediterrâneo, o caminho de Saint Guilhem-le-Désert existe desde os tempos antigos e era uma das antigas rotas que ligava os vilarejos na Idade Média, atravessando vastos espaços naturais que ligam os territórios da Lozère, Aveyron, Gard e Hérault, no sul da França. Cercado pelos planaltos de granito de Aubrac com suas altas pradarias verdejantes, essa trilha atravessa as míticas Gorges du Tarn, a vegetação calcária dos Causses, Sauveterre e do Méjean com sua paisagem florida até alcançar o Parque Nacional das Cévennes, o maciço do Mont-Aigoual e o circuito de Navacelles. Uma rota que existe há séculos e permite conhecer um patrimônio arquitetônico variado com cerca de 300 quilômetros cercados por uma natureza intocada, preservada do ruído e da fúria da civilização com sua riqueza paisagística fenomenal. Tanto que em junho de 2011 o território “Causses e Cévennes” foi incluído pela UNESCO na lista do “Patrimônio Mundial de Prestígio” , na categoria “viver sob as paisagens culturais agro-pastorais do Mediterrâneo.”

Foram alguns desses lugares que percorremos durante quatro dias, atravessando vilarejos, almoçando ao ar livre e descnasando em pousadas. Esses conhecidos gîtes de passagem tem como política manter a característica rústica da região, tanto que as hospedarias que acolhem os peregrinos são selecionadas pela sua autenticidade, pelo apego que os proprietários tem ao território e ao trabalho que desenvolvem em suas terras. A proposta é perpetuar a identidade local e manter o elo com a natureza. O Gîte les Fleurines no vilarejo de Almières, é um local que segue à risca essas determinações e de onde começamos nossopercurso. Mantido pelo simpático casal, Nathalie e Bernard Camborde, que deram a essa antiga fazenda ares medievais com seus quartos espalhados pelo terreno em belas e pequenas casas cercadas pela natureza, que remetem ao estilo da aldeia dos Hobbits da trilogia do filme “O Senhor dos Anéis”. Aqui é um dos pontos de partida dos caminhantes, que podem usufruir de uma pensão completa, com jantar e café da manhã e o pique-nique para as caminhadas do dia seguinte.

Acordamos cedo para enfrentar um percurso de aproximadamente 20 km até alcançar o vilarejo de Rozier onde passaríamos a noite. Munidos de nossas mochilas, do pique-nique preparado pela manhã, porque não haveria serviço ou comércio nesta etapa, decidimos pegar a rota que levaria aos Causses de Sauveterre, atravessando Saint Marcellin com suas visíveis aldeias trogloditas, localizadas em estreitas estradas que bordam os desfiladeiros do Tarn. Sem dúvida os terraços ribeirinhos não permitiam boas colheitas mas havia certamente o suficiente para uma vida simples e monástica, onde a pasiagem alimentava o espírito. O local abriga algumas belas construções medievais, chamadas de trogloditas, embutidas nas rochas, muitas delas abandonadas e outras ainda utilizadas pelos seus proprietários durante as férias.

Na vastidão dessa paisagem, de onde é possível visualizar as Gorges du Tarn e no horizonte os montes agudos, a impressão que se tem é de estar caminhando entre o céu e terra. O silêncio reina majestosamente nessa parte do trajeto. Durante o trajeto cruzamos poucos caminhantes e um pastor cuidando do seu rebanho, algo normal, já que esta parte do departamento da Lozère tem densidade populacional inferior a cinco pessoas por km². Ao longo do percurso de descida dessa paisagem fascinante surgem muitas cruzes de granito, elas sserviam no passado como demarcação dos territórios político-religiosos e serviam de referência para indicar direções, visto que esse caminho era uma rota de comércio, que ligava às feiras de Meyrueis e Vigan.

Depois de mergulharmos no fundo de desfiladeiros, continuamos nosso caminho ao longo do rio, na margem esquerda, até Rozier. Chegamos no final da tarde nesse vilarejo que é a confluência de dois rios, o Tran e o Jonte. No segundo dia, Jean-Baptiste Cappa, nosso hábil guia, nos conduziu pela Via Ferrata numa subida emoldurada por elevadas falésias calcárias. Estas paredes ruiniformes, moldadas pela erosão, dominam encostas íngremes, cobertas com uma verdejante vegetação mediterrânea. Depois de caminharmos alguns quilômetros chegamos ao ponto mais elevado de onde é possível observar os grandes pássaros da região, os Vautours, que evoluem sobre as altas falésias. Esse caminho costurado por penhascos com vista para o rio Jonte, tornou-se um ponto de referência para os escaladores e muitos setores dessa etapa são equipados para receber amadores e profissionais de esportes radicais como escalada, espeleologia, canoagem, mountain bike, parapente, entre outros.

Do outro lado desse desfiladeiro avista-se o Roc Saint-Gervais, uma rocha esculpida em forma de champignon que domina a paisagem com seus 659 m e sua massa imponente, onde encontramos refúgio em suas plataformas e degustamos nosso pique-nique. Os séculos esculpiram estranhas formas colossais nessas rochas, desenhando uma paisagem de tirar o fôlego, sobretudo, quando olhamos para o céu e avistamos os Vautours, aves de rapina com uma envergadura de até 2,70 m fazendo acrobacias aéreas. Depois dessa incrível visão, chegamos a La Viale para passar a noite num gîte rural, ouvindo histórias e degustando as delícias regionais. Logo cedo saímos em direção aos platôs de Causses, que combinam a beleza selvagem das estepes com o encanto singular de paisagens desérticas. O dia estava iluminado e pudemos avistar ao longe os Alpes, o Mediterrâneo e os Pirineus como um panorama grandioso, onde a fauna e a flora parecem intocáveis. Depois de marcharmos numa trilha plana de 20 km chegamos ao nosso destino final no rochedo do Château, em Meyrueis, vilarejo rodeado de montanhas e um dos pontos estratégicos para início da peregrinação.

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Imagem Christian Nouzillet

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