Zoé Ouvrier

26 de junho de 2016

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Esculpindo na madeira as imagens dos seus sonhos, a artista desenha veredas que a conduzem de volta aos momentos felizes de sua infância no sul da França. Zoé Ouvrier nasceu e cresceu num vilarejo de 190 habitantes próximo à Montpellier, degustando a vida in natura, percorrendo estradas de terra batida, onde cabras desfilavam e as Cévennes fazem parte dessa paisagem bucólica, rodeada de campos com matagais selvagens. Como um personagem de Pagnol, Zoé Ouvrier se impregna das suas próprias emoções para interrogar a vida, a arte e as paixões com a pureza de uma menina do interior acostumada à aspirar ao cheiro de tomilho no ar, escutando o barulho de grilos e cigarras.

“O verdadeiro luxo é ter paz, estar cercada pela natureza, sobretudo, aquela que faz parte das memórias da minha infância,” gosta de dizer, mas foi enfrentando a cidade grande que Zoé aprendeu a olhar para o próprio passado e esculpir na madeira as veredas das suas raízes. Há mais de 15 anos ela talha seu próprio destino e, mesmo quando as rachaduras da dúvida tentam desanimá-la, Zoé permanece firme desenhado sua bela história… “Durante todos esses anos sempre me pergunto se não deveria fazer outra coisa mas imediatamente respondo a mim mesma: Esse trabalho é vital para mim e se eu parar, morrerei,” afirma categórica. Para contar sua história Zoé Ouvrier aceitou se confessar em seu ateliê parisiense para o Correspondance Magazine®.

Quais imagens da sua infância fazem referência ao que você se tornou?

– Quando tinha 7 anos me via pintando ao lado dos meus filhos. Essa imagem reapareceu na minha mente por volta dos 30 anos. Esse o meu verdadeiro eu planejando o que seria meu sonho ideal. Em seguida, os anos se passaram e tudo ficou um pouco escondido em mim. Aos 22 anos quando passei no concurso de Belas Artes como autodidata, em Paris, tudo mudou no meu destino, eu sabia, a partir daquele momento, que este era o meu caminho.

Como surgiu a ideia de esculpir em madeira?

– No segundo ano do curso de Belas Artes, comecei a aprender técnicas de impressão, como água forte, litografia e serigrafia, para as quais já tinha uma forte inclinação. Tanto que meus diários de viagem da época tinham desenhos que mostravam o claro e o escuro, a luz e a sombra. Nesse período eu conheci um artista chinês, Yin Xin, que me fascinou com sua técnica de pintura e que ao ver meus diários me incentivou a trabalhar com estampas de xilogravura. Ele me deu dicas de como usar as facas chinesas em planchas de madeira e me aceitou em sua oficina. Admito que, inicialmente, fui porque queria saber como ele fazia suas pinturas. No final, nunca soube, mas aprendi a xilogravura.

Como você chegou a essa conclusão de que através da xilogravura poderia desenvolver suas esculturas?

– Na faculdade de Belas Artes não estávamos muito bem equipados para talhar madeira, as prensas há muito tinham sido esquecidas. Na verdade, não havia nenhuma! Então tive que improvisar com o que tinha e um dia uma dessas prensas se quebrou antes que eu terminasse meus painéis de madeira e comecei a imprimir com a parte de trás de uma colher, esfregando-a ao longo de toda a folha. Foi o cansaço que me fez abandonar alguns processos e me deixar levar pela intuição para dar um passo além. Neste momento me dei conta de que meu trabalho era matriz dele mesmo.

O que o termo esculpir significa para você?

– O meu trabalho me proporciona essa experiência de auto-conhecimento onde  o termo esculpir torna-se filosófico. Antes de entender por quê fui atraída pelos troncos das árvores, o material que tirei, toquei foi basicamente uma história da carne, mas isso não foi imediatamente óbvio. No entanto, quando olho meu trabalho de repente tudo parece claro. Quando estou esculpindo é a minha carne, meu sangue, minhas cicatrizes, minha impressão e todo o meu ser que altero. É preciso tempo para entender que, de fato, não sabemos para onde estamos indo ou de onde viemos, porque somos culturalmente desenraizados pelo sistema e para memorizar nosso original, às vezes, é preciso se contorcionar internamente.

Que tipo de acessórios você usa para compor seus desenhos?

–  Papel, uma caneta ou lápis preto.

Fale-nos um pouco sobre suas criações…

– Minhas criações com formas subaquáticas e troncos de árvores são a continuidade de diversas etapas da minha vida. Mas o sonho de esculpir foi se delineando paulatinamente quando frequentava as aulas de artes plásticas e dávamos vida às formas do corpo. No meu trabalho atual, o corpo tornou-se os troncos de árvores. Naquela época, eu pintava bastante mas ainda era muito ingênua, foram os cursos de modelagem do nu que aguçaram meu olhar e me fizeram desenvolver meu talento como autodidata.

De que maneira você responde às encomendas que lhe são feitas?

– Para uma grande encomenda, por exemplo, o cliente muitas vezes escolhe algumas peças do meu trabalho que ele gosta e, a partir disso, tenho uma ideia do que propor. Em seguida, ofereço três desenhos e, quase sempre, uma delas é escolhida. Para um trabalho pessoal, busco inspiração em livros de arte, escritos e faço vários esboços, que me auxiliam a começar a trabalhar.

De onde vem a sua paixão pela madeira?

– Ela é um material vivo e se move. Na medicina chinesa existem os que são Metal, Terra, Fogo, Madeira e Água, eu realmente me identifico com a madeira. Suas características estão relacionadas com a minha personalidade.

Como você escolhe seus temas artísticos?

– Minhas ideias são permeadas de emoções que costumam se expressar através de uma necessidade vital entre o gesto, a luz e a escuridão. Ou podem ainda surgir na forma de uma semente coletada numa praia ou algum outro objeto trazido pelas ondas, uma folha, os seres vivos do mar… para mim, tudo é inspiração.

Quais são seus próximos projetos?

– Tenho a encomenda de um cliente em Hong-Kong para fazer uma sala de chá. Um trabalho que ocupará quatro paredes com as dimensões de 3,50 por 15 metros.

Se você pudesse realizar três sonhos, quais seriam?

– O primeiro sonho é manter minha residência em Paris e viver mais frequentemente num ambiente que se parece comigo, com o mar não muito longe, onde poderia compartilhar minha vida entre o atelier e a família. Graças ao meu marido, Arik Levy, descobri as alegrias do kitesurf e estamos constantemente em busca de points. Por que não combinar esse prazer com a vida cotidiana? O segundo, é ver todos os que me rodeiam felizes, porque isso me dá muita energia e, em terceiro lugar, poder aumentar os dias da semana ou torná-los mais longos para evitar viver correndo atrás do tempo!

O que inspira você no cotidiano?

– O amor.

www.zoeouvrier.com

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