O homem das geleiras

8 de novembro de 2018

“A viagem espiritual de Sebastian Copeland pelos pólos norte e sul,” poderia ser o sub-título do seu mais recente livro, “Arctica: The Vanishing North”, lançado pela editora teNeues, com uma compilação de exuberantes imagens onde cores, luzes e formas glaciais inusitadas nos convidam a visitar, visualmente esse paraíso intacto onde a natureza reina em toda a sua majestade. Destemido desbravador, Copeland explorou os dois pólos norte e sul a pé, percorrendo mais de 8.000 quilômetros sob seus esquis. Não é à toa que ele possui vários recordes sobre sua “primazia polar” nessa região congelada. Suas fotografias em formatos gigantes também podem ser apreciadas até Janeiro de 2019 nas grades do Jardim do Luxemburgo, em Paris, através de 80 telas que exibem esse mundo glacial que Copeland tanto ama e defende de pólo a pólo. As imagens do fotógrafo trazem uma mensagem simbólica, que versa não somente sobre a beleza natural desse continente longinquo, mas sobre seu desaparecimento e o quanto todos nós somos responsáveis por preservá-lo com todas as nossas forças.

Correspondance Magazine® conversou com o fotógrafo Sebastian Copeland que, em 2007, foi eleito um dos 25 principais aventureiros do mundo nos últimos 25 anos e parece incansável em sua missão de proteger os pólos. Copeland vem alertando sobre a crise climática por mais de uma década através de palestras internacionais ministradas para audiências importantes na ONU, em universidades, museus e várias empresas da Fortune 500 ao redor do globo, além de imprimir sua influência como membro do conselho de diretores do Global Green USA, do Presidente Gorbachev. Explorador insaciável e ardente defensor do meio ambiente, Sebastian Copeland é reconhecido mundialmente como o fotógrafo “que produziu obras de mérito artístico excepcional, que comunicam mensagens urgentes de importância global”, além de receber inúmeras homenagens ao redor do mundo e ser repetidamente nomeado “Fotógrafo do Ano” por instituições de prestígio como International Photography Awards, Earth Aware e Tokyo Foto Awards, que consagraram seu talento e sua dedicação ao longo de dez anos de exploração fotográfica do extremo Norte. Além disso, o fotógrafo produziu documentários sobre suas travessias do Pólo Norte e da Groenlândia e conduziu expedições pelo mar Ártico e pela Antártica.

 

Como surgiu a ideia de publicar esse livro “Arctica: The Vanishing North”? Conte-nos um pouco sobre essa aventura.

– Demorei dez anos para preparar este livro, que abrange várias viagens ao Ártico, por terra, pelo mar e no gelo. Passei a maior parte da minha vida viajando pelos maiores blocos de gelo do mundo e acumulei 8.000 milhas sob meus esquis. Fui espancado pelos ventos, cego por tempestades de neve e toda a gama intermediária de mau tempo imaginável. Na Groenlândia, demorei 42 dias para atravessar os 2.300 quilômetros desse platô glacial sem vida, com mais de três mil metros de espessura, sem outros meios além dos esquis rebocados por pipa. Levei 82 dias para atravessar a Antártida de leste a oeste. Mas meu maior desafio foi a missão de cruzar o Oceano Ártico para chegar ao Pólo Norte a pé. A temperatura chegou a -55° C e, mesmo sem vento, é um desafio em todos os aspectos, especialmente para equipamentos fotográficos. Uma vez, fui direto através da fina camada de gelo para cair no oceano Ártico a -35° C.

Existem algumas estratégias para fotografar essa região polar tão inóspita e sua natureza exuberante? 

– O Ártico é particularmente compensador quando tudo funciona. A predominância de água, congelada ou líquida, e o baixo ângulo de incidência dos raios solares limitam o espectro de cores, e a paisagem austera impõe-se e é preciso estabelecer o foco da imagem. Visualmente, nuvens e gelo são espíritos relacionados: um contraste baixo celebra o blues, e o gelo pode adquirir uma iridescência peculiar à fotografia polar. No fundo do bloco de gelo, há mudanças sutis que oferecem oportunidades únicas para o fotógrafo. A baixa altura do sol combinada com o reduzido espectro de luz devido à predominância de água – líquida e cristalizada – cria um ambiente monocromático de luz branca fria e sombras azuladas. Às vezes, os únicos detalhes visíveis são os rastros deixados pelo vento no gelo ou pelas nuvens no céuHá também algo místico sobre a captura de formas que estão constantemente mudando por causa de ventos, correntes ou ciclos de congelamento e derretimento. Quanto à sua fauna, é tão raro que cada encontro se torna um evento. E quem poderia se cansar de interagir com o predador que domina o Ártico: o urso polar?

De onde vem essa fascinante familiaridade pelo Ártico?

– Os pólos são tão familiares para nós como qualquer outro planeta. Tudo é exótico. Há enormes desertos onde a difícil barreira ambiental impôs uma seleção natural que excluiu os humanos. Um deserto é uma paisagem que vem do imaginário e do sagrado: é o lugar onde se vai falar com Deus. E o deserto do Ártico é um lugar onde buscamos a comunhão e não a dominação. Por definição, a natureza é indomável, é claro; mas essa noção fica confusa quando se aproxima da pegada humana. No Ártico, apesar dos esforços contínuos para conseguir isso, não podemos forçar a natureza a se adaptar às nossas necessidades. O que fizemos melhor foi sobreviver a isso.

Como você lida com as intempéries durante suas missões polares?

– De certa forma, o frio, o afastamento e os recursos limitados impõem uma relação diferente com o meio ambiente, uma interação mais consciente, mais respeitosa. Para visitantes como eu, à procura de experiências de imersão, torna-se uma exploração emocionante que muitas vezes nos torna humildes dada a dimensão desse universo glacial. Eu andei 8.000 quilômetros deste reino, através do Oceano Ártico, Groenlândia e Antártica. E, embora possa parecer surpreendente, devo dizer que dois dias nunca são visualmente semelhantes.

Durante suas expedições no Ártico, que tipo de experiência foi especialmente mais marcante para você? 

– No que diz respeito a viver emoções fortes, nada é comparável a estar cara a cara com um urso faminto. Um dia, quando estava sozinho no mar congelado, vi um urso me observando atrás de uma crista. No gelo, você é uma mancha, você não tem para onde recuar. O urso se colocou em marcha e chegou a cerca de três metros de mim. Meu coração estava quase saltando pela boca, mais alto do que a arma que usava para dissuadi-lo. Então decidi pegar minha câmera e roubei algumas fotos desse urso imponente. Cheguei bem perto, como se quisesse atirar nele, mas, felizmente, minha destemida e pacífica intervenção foi convincente. Até agora, quando relembro desses momentos, meu coração começa a bater um pouco mais rápido!

Suas imagens não são apenas de grande valor estético, mas também refletem emergências ambientais. No seu ponto de vista, quais as dificuldades encontradas para preservar esse meio ambiente?

– Nós protegemos o que conhecemos e amamos. Quanto mais distante de um meio ambiente em vias de extinção as pessoas vivem, mais difícil se torna mobilizar recursos humanos e materiais para sua preservação. A natureza humana é assim. O que é chocante para a comunidade científica é que ela não consegue captar por muito tempo a atenção do público, ademais números e dados científicos podem ser misteriosos e confusos. Muitas vezes, é uma falha de comunicação e marketing, mas estamos nos aproximando, em nossa evolução, do momento onde “todos nós estaremos na mesma ponte” e todas as ferramentas devem ser usadas para alertar sobre essa ameaça séria e iminente. O fato do Ártico ser complexo e ameaçador, um ambiente insólito de temperaturas rigorosas, falar sobre vulnerabilidade é um grande desafio. É contra-intuitivo, na verdade. No Ártico, como em toda parte, as curvas de aquecimento não são lineares e são medidas ao longo de meio século ou mais. Quando nos é dito sobre um aquecimento de apenas alguns graus, não nos inquietamos e mudamos facilmente de assunto para dar atenção para outras informações. Todavia, o final da última idade do gelo foi precipitado por uma variação de cinco graus e, atualmente, algumas regiões do Ártico se aqueceram até sete graus. Essa é uma corrida lenta.

Sendo um grande conhecedor do continente glacial, como você percebe essas mudanças climáticas que afetam os pólos?

– Para o observador simples, o bloco de gelo é provavelmente apenas um universo imaculado, desprovido de vida. Limitado à extensão do céu e do gelo, sua monotonia pode parecer esmagadora. Mas o gelo é uma entidade poderosa, viva e dinâmica, reagindo às influências da gravitação quanto a mudanças mínimas de temperatura. Mesmo com três milhões de anos, sua massa varia constantemente e de forma imperceptível. No momento do parto, durante a formação dos icebergs, o gelo entra na última fase de sua transformação, retomando sua forma original, o estado líquido. As etnias Inuit tem centenas de palavras para descrever sua textura, enquanto sua aparência pode ter variações infinitas envolvidas em constante mudança. O gelo é a primeira linha de defesa de um mundo em aquecimento e seu declínio é uma evidência irrefutável da mudança climática. A temperatura global aumentou em 1 ° C em comparação com 1880, um aquecimento dez vezes mais rápido do que nos 65 milhões de anos anteriores. As razões são bem conhecidas. Sem compromissos imediatos e globais, chegaremos a um aumento de 5 ° C no próximo século, ameaçando todos os organismos terrestres enquanto redesenhamos o mapa oceânico.

De que maneira a arte pode contribuir para a preservação de uma região tão vulnerável? 

– Meu trabalho como “caçador de imagens” visa preencher a lacuna entre o coração e a mente para servir de base para um programa de ação efetivo. Quando confrontado com a beleza do ambiente ártico, é difícil não ser seduzido ou ignorar que esse gelo que chora antes de morrer está tão perto de nós, literal e figurativamente, e depende de nossas ações. Diferentemente da ciência que é menos sensitiva, a arte pode gerar emoções. Com as fotografias que trago de volta das minhas expedições, espero ajudar as pessoas a se apaixonarem por esse mundo, que é nosso, e possam protegê-lo melhor.

TRADUÇÃO & EDIÇÃO DE TEXTO – Marilane Borges

IMAGEM  © Arctica: The Vanishing North © 2015 Sebastian Copeland. Todos os direitos reservados.

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