Radiografando paisagens
Vencedora do Prix Ruinart Paris Photo 2019, Elsa Leydier se entregou a uma missão especial: desbravar os vinhedos da região de Reims, na França, com os olhos bem abertos a fim de radiografar com sensibilidade e intensidade visual suas paisagens, abordando ao mesmo tempo temas importantes como a fragilidade da produção de champagne que sofre alterações sob a influência climática e as técnicas utilizadas para transformar as uvas nessa bebida cheia de significados. As imagens de Elsa Leydier contam a história do tempo, abordando as transformações da natureza e as alterações meteorológicas sob uma ótica visual criativa. O trabalho fotográfico pessoal de Leydier está centrado na representação das imagens e o poder que elas tem de construir fantasias sobre determinados lugares. Esse questionamento permanente da fotográfa abrange, sobretudo, as paisagens icônicas carregadas de estereótipos, como os vinhedos e a produção de champagne, em Reims, onde ela fez sua residência artistica para esse projeto da Maison Ruinart, ou ainda as paisagens tropicais do Brasil, onde ela mora atualmente. A fotógrafa acredita que não existem territórios que não sejam carregados de estereótipos. Formada pela Escola Nacional de Fotografia em Arles, a francesa Elsa Leydier vive e mora no Rio de Janeiro, de onde teve a gentileza de aceitar a proposta de entrevista de Correspondance Magazine® para falar do seu prêmio, dos seus projetos fotográficos, dos estereótipos que as imagens constroem e sobre os quais ela tem se debruçado para decifrá-los com sua câmera em punho.
Conte-nos um pouco dessa experiência de passar uma temporada nos vinhedos de Reims para registrar a alma da Maison Ruinart.
– Passei alguns dias em Reims, na época da colheita, para relatar a relação entre o ser humano e a natureza durante o processo de fabricação do champanhe e tive a sorte de estar acompanhada por pessoas que compartilharam comigo seu conhecimento e a paixão pelo trabalho que desenvolvem nesse grande território das vinhas.
O que mais impactou você nesse território?
– Durante os dias em que estive em Reims e nos arredores, pude descobrir vinhedos, prensas, adegas e fiquei particularmente marcada pela influência extremamente forte da natureza e das condições climáticas em todo o processo de fabricação do champanhe. O fator aleatório das diferentes condições climáticas e naturais de cada ano é associado a um conhecimento extremamente específico, que deve ser constantemente renovado e adaptado, a fim de obter um champanhe que tenha sempre o mesmo gosto todos os anos, apesar de contextos sempre diferentes. Esse entrelaçamento entre o acaso e o domínio de técnicas me interessou.
Você poderia nos dar mais informações sobre a exposição que será apresentada em Paris durante a feira de arte fotográfica Paris Photo?
– Queria destacar especialmente para esta exposição o vínculo entre o conhecimento extremamente preciso da Maison Ruinart e as mudanças climáticas que estão ocorrendo ao redor do mundo. Por exemplo, as safras de uva deste ano foram muito marcadas pelas mudanças meteorológicas e pelo aquecimento global e, durante o processo de trasformação elas se elevaram a temperaturas mais altas do que a média habitual. O projeto faz parte da área “Curiosa”, durante a feira de arte Paris Photo, que acontece no Grand Palais de 07 a 10 de novembro, e meu trabalho será exibido neste ano pela Galerie Intervalle.
Como você se adaptou à esse realidade campestre para fotografar algo pouco convencional?
– Tirei partido das circunstâncias trabalhei bastante em torno da luz para executar minhas fotos no local porque queria experimentar outros meios de capturar luz. Para isso, tentei me afastar da fotografia tradicional para experimentar outras possibilidades mais livremente e me concentrei em scannear as imagens. Essas radiografias foram feitos filtrando a luz através dos materiais coloridos desenvolvidos para proteger o champanhe do “sabor da luz”, algo que poderia, em circunstâncias convencionais, alterar seu aroma. O resultado encontrado são imagens com cores intensas e incandescentes.
Que evento desencadeou em você essa paixão pela fotografia?
– Depois de ter finalizado meus estudos, fiz uma viagem para o exterior por um ano e fiquei muito marcada pela brecha entre o que poderia viver diariamente neste país, que era estranho para mim, e o imaginário que tinha antes de conhecê-lo. Um circuito de imagens, entre o que via no cotidiano e o imaginário que tinha sido construído pelas imagens estereotipadas. Foi então que, realmente, me tornei ciente do poder da fotografia e das imagens naquela época. O poder das imagens quando se trata de criar fantasias sobre determinados lugares. Mas também percebi essa incapacidade de traduzir os territórios dentro da realidade e, portanto, uma falha nesse processo, algo que seria lost in translation de um olhar. Ainda sinto essa mudança aqui no Rio de Janeiro, uma cidade que conheci pela primeira vez pelas imagens e cujas representações visuais são muito fortes e, portanto, muito estereotipadas. Essa análise, desencadeia meu desejo de tentar representar o território através de outras imagens para além desses estereótipos convencionais.
Em seus projetos fotograficos, qual é a parte da preparação e identificação do assunto antes e qual é o lugar da improvisação durante?
– Durante essas seções fotográficas, é muito difícil responder, porque uso diferentes técnicas no meu trabalho, por isso, tudo varia o tempo todo. Gosto de encontrar em cada ocasião a técnica que será relevante para o assunto que estou fotografando. No meu trabalho, por exemplo, pude usar técnicas de colagem e falhas, ou fazer radiogramas para esse trabalho do Prêmio da Maison Ruinart… Tudo depende do contexto. No entanto, o tempo de preparação para cada trabalho geralmente é bastante longo, porque sempre tento aprender muito antes de cada projeto. Penso que é precisamente porque aprecio a diferença entre o que espero e o que realmente vou encontrar. A parte da improvisação é sempre a mais importante, pois me adapto ao que encontro, que muitas vezes assume as informações coletadas durante a pesquisa de preparação.
Onde você encontra inspiração para a realização de suas fotos ?
– O confronto com um novo território é sempre uma inspiração para mim. A aparência “estrangeira” que posso ter e o conflito com o que descubro ao viver um tempo neste território é desafiador. Sou particularmente interessada por lugares que são impossíveis de serem representados em poucas imagens, embora pense que todos sejam assim, por causa dos paradoxos e contrastes inerentes a eles. O Brasil é um país tão múltiplo, tão plural, que contém um grande número de paradoxos que me interessam e que me inspiram a criar um verdadeiro acervo para meu trabalho fotográfico.
Em que outras áreas fotográficas você tem interesse ou deseja experimentar?
– Como mencionei acima, gosto muito de experimentar técnicas diferentes em meu trabalho, mesmo que essas experiências permaneçam no campo da fotografia artística. Estou interessada há algum tempo, e cada vez mais, em fotografia de moda. É um universo que me parece muito mais vasto e rico do que o que eu imaginava, com uma dimensão criativa finalmente muito próxima da fotografia artística. Adoraria trabalhar neste campo num futuro próximo.
Quais fotógrafos inspiram você?
– Gosto muito do trabalho de Taryn Simon, Broomberg e Chanarin, Alfredo Jaar, Viviane Sassen e Claudia Andujar. Mas também penso no trabalho de Lothar Baumgarten, mesmo que não seja puramente fotográfico, mas plástico.
Você tem algum projeto futuro com o qual possa conversar? Ou começou projetos que você terminará em breve?
– Meu próximo projeto será um trabalho de longo prazo que abordará o ecofeminismo – pensando que a luta pela ecologia não pode ser alcançada sem a luta feminista e vice-versa. Mal posso esperar para mostrar as primeiras fotos para o mundo!
EDIÇÃO DE TEXTO – Marilane Borges
IMAGEM © Elsa Leydier, série fotográfica “Heatwave” © Maison Ruinart
Você precisa fazer login para comentar.