Os retratos de Edel Rodriguez

8 de outubro de 2019

Com apenas nove anos de idade, o artista cubano-americano Edel Rodriguez, mudou-se com sua família de sua terra natal, Cuba, para os Estados Unidos, contando na bagagem um pouco mais do que as roupas no corpo. Nos anos subsequentes, Edel começou a trabalhar como diretor de arte antes de se estabelecer como artista e ilustrador, trabalhando para os jornais The New Yorker, The New York Times e a revista TIME, onde sua ilustração de Donald Trump como uma bola de fogo flamejante e gritante recebeu atenção e reconhecimento internacional. Mas, mesmo quando a estrela de Edel no mundo da arte começou a brilhar, seu país natal, Cuba, e tudo o que ele deixou para trás quando criança nunca esteve longe de sua mente. É uma história familiar que ganhou nova pungência nos últimos tempos e que mostra o lado humano da imigração e da perda. Nesta reportagem especialmente encomendada, a jornalista cubano-americana Rebecca Sanchez segue Edel de volta para casa pela primeira vez em quase uma década, trazendo o presente da criatividade de volta à sua amada Cuba.

É quase meio-dia quando o avião beija o asfalto e pára no Aeroporto Internacional José Martí de La Habana. Já fazem 38 graus do lado de fora  e o calor torna sua presença conhecida em ondas translúcidas ondulantes que sobem do chão e podem ser vistas da janela do avião. O modelo Embraer E175 pode ser pequeno no que diz respeito a uma aeronave, mas neste dia sua carga é muito maior do que o tamanho permite. Num golpe de precisão inesperada, o vôo acabou de levar Idania del Rio e o clã, da Clandestina – a primeira marca independente de moda de Cuba – o renomado Conguero Pedrito Martinez e sua família cubana e o artista cubano Edel Rodriguez, de Newark para Havana. É uma entrega titânica de arte que retorna à ilha todos juntos, ainda que por apenas algumas horas, antes que todos se dispersem e desapareçam na cidade velha. Para Edel, atravessar o aeroporto não é um detalhe pequeno – um fato que se revela em pilhas de documentação e dois passaportes na mão. Ainda assim, não é suficiente. Ele é detido brevemente quando o agente pede um terceiro passaporte que ele não possui, mas depois de alguns minutos parece que o controlador perde o interesse e concede a ele a entrada.

Do lado de fora, a tia favorita de Edel, Nancy, e a prima Liset correm em sua direção, excitadas. Faz anos que elas não os vê e várias rodadas de abraços têm prioridade antes de seguirmos em direção ao carro que nos espera, com o porta-malas aberto por um bastão de madeira. Dentro dele, há apenas um pneu sobressalente e um facão. Embarcando no carro, partimos, abraçados por veludo preto e índigo, que ainda envolve os bancos firmemente almofadados. Havana pode ser o destino dos muitos turistas que visitam a ilha a cada ano – é, no final, parte da atração do Caribe a que Edouard Glissant se refere, por estar situada na extremidade externa do espaço e do tempo. E se Havana realmente existe como uma cidade em Cuba, é apenas sob essa condição – encapsulada pelo isolamento, em uma preservação distorcida que colide com o desempenho da pluralidade cultural, pelo bem de uma indústria para estrangeiros. Havana existe apenas como caricatura. Os turistas podem ter reivindicado suas praias, mas a sujeira nunca esteve em risco, e hoje Edel está indo diretamente para um lugar onde essa sujeira e sua poeira se estendem por vastos e abertos horizontes.

A estrada de Havana para o povoado de El Gabriel é cercada por sinais que parecem não estar falando com ninguém. Frases que declaram toda a lealdade em unidade com a revolução, comprometendo a fidelidade à noção de que sempre há mais a ser feito em nome do país, comprometendo a lembrança do legado do 1º de maio, todas aparecem apenas como lembranças, recordadas apenas para si mesmas. o olhar do público parece ter desaparecido há muito tempo, é como se ele nunca estivesse lá. As paredes e os outdoors, desbotados e deteriorados como muitos, também podem ficar em branco. Cavalos pastam ao longo da rua irregular, decorando uma paisagem escassa que, de outra forma, é mantida apenas por barracas de frutas e pequenos bares ao ar livre, mas, neste momento, há uma escassez de cerveja, por isso continuamos em movimento. Essas estradas rurais não mudaram nos quase 40 anos desde que Edel partiu, embora sua experiência com elas tenha mudado. Quando criança, ele diz que, dirigir pela desolação escura dos campos à noite o inspirou um tipo particular de estranheza. Hoje, ele está mais surpreso que as árvores tenham exatamente a altura que tinham todos esses anos atrás – um pensamento que ele considera curiosamente, imaginando como elas se mantêm tão uniformemente – e se maravilha com o forte contraste entre essa identidade eterna e as flutuações patológicas da natureza, como os arranha-céus de Miami e Nova York.

De certa forma, é como se essa paisagem preservada fosse seu próprio monumento, histórias ocultas nas tripas vigorosas da cana-de-açúcar e enterradas profundamente como raízes crescidas na terra, cujas fissuras são traídas pelo desdobramento de um horizonte que se multiplica à distância. É aqui, no paradoxo de tudo o que permaneceu o mesmo e também sempre de alguma forma diferente – onde o solo fica repentinamente vermelho como fogo, como o calor do sol que quebra e se interliga, vermelho como sangue derramado – que encontramos a realidade de Cuba, e é aqui que a arte de Edel começa, assim como Glissant diz: “O grito do contador de histórias vem da sua própria força. Ele está ancorado nas profundezas da terra: aí reside o seu poder.” A visão de uma fábrica de cana deteriorada e desgastada pelo tempo é o sinal de que estamos quase chegando ao nosso destino. Afinal, foi a fábrica que veio antes da cidade, possibilitando o nascimento desta comunidade cujo meio de vida se formou em torno dela.

Edel não esteve em El Gabriel desde 2015, e mesmo assim veio apenas por um dia ou dois, depois de uma viagem de trabalho a Havana, então, quando ele chega, não é sem alarde. A festa de boas-vindas é inicialmente um enxame de mosquitos clandestinos que explodem em frenesi quando a porta da frente da casa de sua tia se abre, inquietando o ar da casa escura e fechada. O enxame é rapidamente seguido por bolo de goiaba caseiro – uma história em si – tamales frescos e visitantes consecutivos. Tendo voltado para casa para pintar retratos dos habitantes da cidade, na esperança de oferecer algo que eles nunca teriam, Edel fica surpreso com o interesse que o projeto conquistou. “Passo a maior parte da minha vida e minha carreira fazendo retratos de patifes, ditadores, criminosos – pessoas que não merecem ter seu retrato feito,” confessa Edel. O artista esperava ter alguns vizinhos e amigos para pintar, mas nenhum interesse excessivo. Em vez disso, ele é confrontado com uma enxurrada constante de pedidos, às vezes com dois ou três vizinhos esperando sua vez pela casa em uma fila sem forma que parece mais uma pequena festa. É um desenvolvimento agradável, se não imprevisto. Sinto que este projeto é pelo menos uma gota no balde que pode oferecer-lhes alguma dignidade…

IMAGEM – Cortesia do artista Edel Rodriguez © Todos os direitos reservados 

 

 

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