Capela das artes
Uma galeria de arte, uma loja e gravadora de discos, um estiloso café, esse é o tripé do novo templo das artes, Chapelle XIV, voluntariamente situado longe do tradicional circuito cultural da cidade e perto dos ateliês dos artistas no bairro de La Chapelle, encruzilhada dos populares 18 e 19 arrondissement. Os grandes desbravadores desse novo território é o casal de millenials Eléonore Levai e Benjamin Belaga, ela formada em Direito com especialização em arte contemporânea, ele um ás da música eletrônica.
O espaço multifuncional, que abrigou no passado uma galeria de arte contemporânea, tem localização excepcional entre La Chapelle e Stalingrad, no coração desse bairro movimentado, colonizado por artistas e criativos da nova geração. A galeria estende-se por dois pisos, no espaço térreo habita a loja de discos, a exposição de obras de arte e design, uma zona de cafetaria, cujo bar foi desenhado pela arquiteta Delphine Sauvaget, enquanto o enorme porão, com uma vista deslumbrante das antigas linhas ferroviárias da Gare du Nord, hospeda a oficina de impressão Yoyaku que produz capas de vinil e outros itens de merchandising para os artistas da gravadora. A galerista Eléonore Levai conversou com exclusividade com Correspondance Magazine® e confessou seu interesse particular pelos artistas emergentes, que ela descobre através de pesquisas incansáveis e frutíferas em escolas de arte, residências artísticas ou até mesmo via Instagram.
Como, onde e quando começou seu interese pela arte em geral?
– Sempre fui muito curiosa e fascinada pela arte, de todos os gêneros e todas as épocas. Meus pais transmitiram seu entusiasmo para mim e minha irmã nos levando para ver muitas exposições quando éramos mais jovens (tivemos muita sorte). O que mais me atrai na arte e, em particular, na arte contemporânea, é que é impossível chegar ao fim: há um número infinito de artistas para se descobrir, obras para serem vistas, comoventes ou chocantes, novas práticas para serem desbravadas, novos comentários sobre o mundo e pontos de vistas diversos. Enfim, é impossível ficar entediado e, o mais importante, é que a arte contemporânea é uma fonte de enriquecimento cultural ermanente!
O que primeiro a atraiu para o universo da arte contemporânea? Quais os seus antecedentes?
– Comecei a estudar Direito, sem saber ao certo o que queria ser profissionalmente. Após minha licença, fui admitida na University of Warwick, na Inglaterra, para um mestrado em mercado de arte contemporânea. Esses dois anos em que estive lá foram uma revelação para mim. Adorei estudar os diferentes atores e engrenagens do mercado de arte, entender seu ecossistema e descobrir novos artistas, movimentos e galerias. Foi emocionante! Todas as pessoas que conheci no mundo da arte contemporânea artistas, galeristas, colecionadores, tem em comum uma grande curiosidade e, ao contrário da arte antiga, eles vem de origens muito diferentes, o que faz com que as trocas sejam fascinantes.
Conte-nos sobre a origem da Chapelle XIV. O que a levou a abrir uma galeria em um bairro tão distante do circuito tradicional das artes da cidade?
– Meu companheiro estava procurando um espaço para expandir sua loja de discos e escritórios para suas atividades musicais. Valendo-me da minha experiência precedente, quando trabalhei para uma galeria no Marais, que me permitiu conhecer pessoas fantásticas, mas minhas possibilidades de desenvolvimento eram limitadas e embarquei no projeto. Após um ano de pesquisas, ele encontrou um lugar no 18º arrondissement de Paris, anteriormente ocupado por uma galeria de arte. O local tinha um potencial incrível, e já era adequado para apresentar exposições. Naturalmente, pensamos que seria interessante conectar nossas atividades lá, abrindo uma loja de discos, uma galeria de arte e design e um café. Queríamos que os visitantes e clientes se sentissem à vontade, usufruindo de um espaço para reuniões e trocas (daí a criação do café).
Uma escolha ousada e inusitada pela sua localização…
– O 18º arrondissement é um bairro parisiense movimentado, residencial e muito rico em diversidade. É animado culturalmente e não é apenas uma vitrine para turistas. O centro de arte 104 fica por perto, além disso, muitos artistas e criativos vivem nos arredores. Por razões financeiras óbvias, não poderíamos ter um espaço assim no centro de Paris. Mas esse não era nem o nosso objetivo nem nosso interesse, porque a oferta cultural e comercial no Marais já está saturada.
Quais os maiores desafios em administrar uma galeria atualmente?
– Acho que é defender a criação emergente e torná-la acessível, garantindo que as pessoas se sintam confortáveis ao entrar pela porta de uma galeria, isso é fundamental e extremamente satisfatório. É uma grande oportunidade poder introduzir para o público em geral talentos cujo trabalho admiramos, tanto na arte como no design, e apresentá-los a outras pessoas é um privilégio. Partindo da minha experiência anterior, estava firmemente convencida de que faltava uma ponte entre os artistas em início de carreira e um grupo de pessoas que ama a cultura mas não está familiarizado aos circuitos habituais da arte contemporânea. O interesse comum é, no entanto, óbvio, apesar dos pontos de encontro serem bastante raros.
Qual a sua estratégia para unir esses dois universos?
– Um dos elementos que distanciam o grande público das galerias é a questão dos preços. Eles raramente são comunicados e sua construção muitas vezes parece obscura, até mesmo absurda. Pareceu-nos importante desmistificá-los, distribuindo-os de forma visível no espaço da galeria, na internet e até no Instagram. Por outro lado, é importante oferecermos uma gama variada de obras e mobiliário, desde pequenos objetos de arte a peças mais monumentais. Esse “alto/baixo” é uma forma de desinibir os visitantes e permitir que todos sejam ou se tornem compradores.
Segundo sua experiência, qual é o maior desafio para se gerenciar uma galeria?
– Um dos desafios mais importantes é manter uma presença online permannete, algo que faz parte da nossa estratégia desde o período do confinamento. Somos uma geração que primeiro busca informações na internet e a utiliza com facilidade para fazer compras de todos os tipos. A internet e as redes sociais oferecem muitas ferramentas que ajudam a tirar o pó dos formatos tradicionais e, ao mesmo tempo, democratizar o acesso às galerias, tanto para as pessoas que habitam Paris como para as que passam comanda de outros lugares. Essa é uma carga de trabalho significativa e muitas vezes bastante técnica.
Você acha que a tecnologia tem ou terá um impacto no seu negócio artístico nos próximos 5 anos?
– Sim, já tem. As galerias estão apenas começando a digitalizar, às vezes ainda é desaprovado vender obras online. Todavia, acho que temos que conviver com a realidade dos tempos e adaptar nossos usos e costumes aos estilos de vida e consumo contemporâneos. As restrições de viagens vividas pela Covid-19 mostraram-nos claramente a importância da diversificação dos canais de presença e a tacnologia é um deles.
Você planeja participar de feiras de arte? Se sim, como você está se preparando?
– Não, e não estou pensando em me inscrever para representar a Chapelle XIV. Gosto muito de visitá-las mas acho que o modelo das feiras, embora seja muito interessante para colecionadores internacionais e curiosos amadores, talvez não seja o mais virtuoso do ponto de vista ecológico, em se tratando de logística. A globalização fez das feiras um importante impulsionador do mercado de arte, mas será que esse modelo ainda faz sentido, agora que cada um de nós está cada vez mais consciente do nosso impacto ecológico numa escala pessoal e própria? É também um modelo extremamente elitista, que limita o acesso pelo custo do ingresso. Voltar a uma certa proximidade e a um modelo mais “lento” (para usar um termo da moda) é o que me interessa pessoalmente.
Quais são os aspectos essenciais para participar de feiras de arte na perspectiva de uma galeria?
– Visibilidade internacional, essencialmente. É um importante acelerador para alcançar novos mercados e, às vezes, um impulsionador econômico vital para galerias. Acho que a digitalização, se usada com inteligência e em adição à experiência física interativa da arte, vai substituir gradativamente a onipotência das feiras internacionais (já minada pela pandemia).
Na sua opinião, olhando para o panorama geral, que valor a arte oferece à sociedade no mundo moderno?
– A arte oferece uma multiplicidade de pontos de vista sobre o mundo, da observação à crítica, passando pelo reencantamento e pela emoção. Uma sociedade sem arte amordaça a liberdade de expressão e a poesia.
Como você escolhe seus artistas?
– Visitando workshops, indo a muitas exposições, seguindo a mídia, curadores ou artistas que me fazem descobrir outros talentos, estando muito alerta também no Instagram. Os trabalhos que apresento são bastante ecléticos em termos de mídia, mas tem em comum proporcionar, na minha opinião, um pouco de alegria e emoção estética.
Você poderia citar 3 artistas emergentes que o público deve ficar de olho ?
– Rosanna Lefeuvre, Marion Flament, Victor Levai.
O que você diria sobre os artistas com quem trabalha?
– Além de compartilharem o fato de estarem no início da carreira, eles tem em comum a empatia, a sensibilidade e a simpatia! Eu os admiro por seu trabalho e os aprecio por suas personalidades.
Como você mantém contato com seus clientes e colecionadores?
– De qualquer forma, com um sorriso!
Quais são os seus 3 principais destinos artísticos do mundo na Europa?
– Sem falar de Paris: Londres, Roma e gosto muito de Basel e seus arredores, em particular a Fundação Beyeler.
Quais são seus futuros planos?
– Estou planejando as novas exposições, a próxima consistirá em conjuntos imersivos, com curadoria de Mégane Servadio. E, fora das paredes da Chapelle XIV, uma grande exposição coletiva de primavera em Paris, no Marais, onde, a convite da decoradora Delphine Sauvaget terei a oportunidade de oferecer uma seleção de obras de arte e objetos.
EDIÇÃO DE TEXTO – Marilane Borges
IMAGEM – Cortesia da Galeria Chapelle XIV com fotos clicadas por Frédéric Lucano © Todos os direitos reservados
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