Cerâmica, cerâmica, cerâmica
Em muitos sentidos, o mundo da cerâmica está sendo transformado e podemos considerar que o ato de fazer cerâmica não é mais encarado apenas como um ofício tradicional mas tem se renovado, ressurgindo das cinzas como uma emocionante forma de expressão da arte contemporânea. O Asia Art Archive (AAA), com sede em Hong Kong, uma organização conhecida por suas exposições inovadoras e apoio tenaz aos artistas locais, organiza exposições para apresentar as criações desses novos talentos asiáticos que usam a cerâmica como um meio de explorar a memória artística e o significado cultural desse artesanato. Neste mês de novembro, as criações de Sara Tse foram apresentadas ao lado de duas outras principais artistas femininas de cerâmica, durante o leilão para captação de recursos organizado pelo Asia Art Archive. Esta venda especial incluiu a obra “Folhas caindo como canções que vêm à minha mente nº 1” da artista Tse – composta de réplicas de porcelana decoradas com folhas de bauhinia coletadas em sua antiga escola secundária e colocadas sobre uma imagem abstrata -, além de obras da artista Annie Wan Lai Kuen, de Hong Kong, e Yin Xiuzhen, originária de Pequim.
A artista ceramista Sara Tse, de Hong Kong, guarda boas lembranças ao ver sua mãe queimando as oferendas tradicionais de papel para enviar aos avós na vida após a morte. “Isso confundia a minha mente”, atesta. “Para onde foram aqueles objetos de papel? Eles realmente se transformaram em cinzas ou foram para outro mundo?”, lembra Tse. “A mesma curiosidade sobre o fogo e a combustão me levou a experimentar o processo de desaparecimento e renascimento da cerâmica.” Tse começou a criar obras profundamente pessoais que envolviam mergulhar objetos encontrados, como brinquedos de infância e diários antigos, em tiras de porcelana antes de depositá-los no forno. Esse processo permitiu que ela reconstruísse o passado na forma de esculturas táteis de osso branco. Ela descreve o desaparecimento desses objetos e a criação de novas réplicas de porcelana como “um renascimento, tal qual o mito da fênix.”
Como Tse, Yin Xiuzhen incorpora objetos do cotidiano em seu trabalho, embora ela adote uma abordagem diferente. Yin era uma estudante de pintura à óleo até descobrir num museu o trabalho experimental de Robert Rauschenberg em mídia mista. “Isso causou um grande impacto em mim e no meu entendimento do que pode vir a ser arte”, diz ela. Virando as costas para a pintura, Yin absorveu-se na instalação e ficou fascinada com a cerâmica. Para uma de suas séries mais renomadas, a Wall Instruments, ela incorporou roupas usadas no cimento. Mais tarde, ela se voltou para a porcelana, que usava para criar o “Ceremonial Instruments No. 31”, o trabalho foi incluído no leilão da Asia Art Archive. “Estamos em contato com a cerâmica em nossas vidas diárias, mas, devido à sua semelhança com os objetos de uso cotidiano, tendemos a fechar os olhos para seu significado. Quero extrair algo novo da cerâmica e torná-la diferente”, explica a artista. Em contraste com as esculturas de porcelana tradicionalmente delicadas, ela criou uma forma monolítica compacta com fragmentos de tecido colorido saindo de furos aleatórios. Questionada sobre por que ela inseriu roupas de segunda mão em blocos de porcelana, ela responde: “Devido à natureza íntima das roupas, eu as considero veículos para experiências pessoais e memórias individuais…” Ao usar esses objetos pessoais, seu trabalho lança uma luz sobre a vida dos indivíduos que geralmente são negligenciados no processo da rápida urbanização e da transformação da China. Apesar de todo o seu interesse no meio, Yin acredita que seu trabalho transcende o rótulo de ‘arte em cerâmica’.
Da mesma forma, Annie Wan Lai Kuen está interessada em estender os limites desse meio. Talvez isso seja mais visível em seu trabalho conceitual Every Day a Rainbow, exibido na 11ª Bienal de Gwangju, em 2016. Do lado de fora da sala de exposições, ela exibia em um antigo quiosque de conserto de sapatos mercadorias do dia a dia, organizadas de acordo com as cores vibrantes do arco-íris. Antes de montar a tela, Kuen usou alguns itens de mercadorias como moldes para criar réplicas de cerâmica com um esmalte tradicional de celadon coreano, que ela colocou em diferentes lojas. Para tornar o processo interativo, os visitantes do seu quiosque receberam um mapa para encontrar suas “mercadorias” de cerâmica no mercado. Para o leilão da Asia Art Archive, Annie Wan Lai doou um par de sapatos celadon,que na verdade são réplicas de sapatos simples de borracha encontrados em uma loja de artigos variados. “Com a cerâmica, obscureci as fronteiras entre o genuíno e o falsificado, o útil e o inútil, o barato e o luxuoso”, diz Kuen, acrescentando que essa é apenas uma das maneiras pelas quais o médium “abre possibilidades e desencadeia nossa imaginação.” Os trabalhos de Sara Tse e Yin Xiuzhen compartilham essa mesma capacidade de despertar novas ideias e inspirar o público, à medida que descobrem o potencial inexplorado desse fascinante meio, que é a cerâmica e seu potencial artístico.
TEXTO – Payal Uttam
IMAGEM – Cortesia das artistas © Annie Wan Lai Kuen © Sara Tse © Yin Xiuzhen, fotografada por Louise Lo © Pace Gallery © Todos os direitos reservados
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