Galeria Andréhn-Schiptjenko

7 de dezembro de 2020

“Não planejava trabalhar com artes, na verdade, tinha certeza de que queria fazer carreira em política internacional, em uma ONG por exemplo”, conta Ciléne Andréhn. Ela cresceu vendo sua mãe seguir uma carreira brilhante em organizações de ajuda internacional e jurava que também queria estar politicamente envolvida nesse assunto. Sua formação acadêmica foi escolhida com esse objetivo. Diplomada em comunicação com especialização em macroeconomia e relações internacionais voltadas para o terceiro mundo, tudo indicava o bom caminho a ser trilhado nessa direção, inclusive com um estágio na Unesco, em Paris, além de ter trabalhado no serviço público como consultora de comunicação júnior em Estocolmo, nos idos de 1986.

Mas o destino previa outras oportunidades para sua vida e muitos eventos levaram Ciléne Andréhn a se projetar, de fato, no mercado das artes. Da sua aventura como galerista em Estocolmo até aterrissar em Paris na primavera de 2019, para abrir, juntamente com sua sócia Marina Schiptjenko, a galeria especializada em arte contemporânea Andréhn-Schiptjenko tudo aconteceu como uma sucessão de eventos. As galeristas Andréhn-Schiptjenko organizaram e fizeram curadorias de exposições que se tornaram seminais no contexto nórdico, lançando com sucesso as carreiras de artistas escandinavos como Cajsa von Zeipel, Gunnel Wåhlstrand, Annika von Hausswolff e Matts Leiderstam, e dando a artistas como Uta Barth, José León Cerrillo, Martín Soto Climent, Ridley Howard, Tony Matelli, Nandipha Mntambo a possibilidade de suas primeiras exposições individuais na Europa e, atualmente, a galeria acompanha o escultor francês Xavier Veilhan em sua primeira instalação de onbra pública na Escandinávia.

A galeria Andréhn-Schiptjenko participou por mais de duas décadas em feiras internacionais de arte – Art Basel, Independent New York e Bruxelas, CHART Copenhagen, Material Art Fair Mexico City e FIAC Paris. Dirigida por Ciléne Andréhn e Marina Schiptjenko, ambas ativas no mundo da arte, elas são membros do comitê de seleção de feiras de arte, do conselho de instituições e da Associação Nacional de Galerias da Suécia. Para falar dessa confluência na vida e na arte, a galerista sueca Ciléne Andréhn, concedeu essa entrevista exclusiva ao Correspondance Magazine®.

Como surgiu esse interesse de trabalhar com arte contemporânea?

– Tudo nasceu do desejo de querer usar minha experiência para trabalhar com algo que me apaixonasse. Simultaneamente, minha vida social evoluía cada vez mais em torno das artes, da convivência com artistas, das exposições e – para ser sincera – adorava ir às festas da academia de arte, eram as melhores.

Quais são os seus antecedentes na área?

– Na minha infância passei muito tempo com minha avó materna e ela adorava artes visuais. Suas paredes estavam, literalmente, quadro a quadro, repletas de obras de arte. Ela sempre me levava para ver exposições e era uma artista amadora no final da sua vida, fazendo colagens realmente fabulosas, muitas vezes com uma mensagem política (isso foi nos anos 1970). Ela também organizou exposições com outros artistas, uma espécie de coletivo itinerante dirigido por artistas.

Conte-nos um pouco sobre a origem de sua vida como galerista. O que a levou a abrir sua própria galeria?

– Estava dirigindo Arton A, outra galeria em Estocolmo entre 1988 e 1991. Não sabia nada sobre como administrar uma galeria e estava realmente aprendendo à medida que avançava. Tínhamos um espaço espetacular e grande, onde muitas vezes fazíamos dois ou três shows paralelos, incluindo uma sala dedicada para vídeo-trabalho, um médium bastante novo no contexto de uma galeria comercial na época. Rapidamente tivemos um grande impacto na cena artística jovem de Estocolmo. O artista Jockum Nordström teve sua primeira exposição individual lá, por exemplo. Marina Schiptjenko, atual parceira de negócios, estava trabalhando em uma galeria de arte construtivista muito conhecida e um amigo em comum sugeriu que eu a contatasse para que ela participasse de alguns eventos. Nós nos demos bem quase instantaneamente e trabalhamos juntas por apenas 6 meses antes de sermos despedidas quando os proprietários decidiram fechar a galeria e comprar um castelo na Itália. Era evidente que devíamos continuar trabalhando juntas, então registramos nosso nome e saímos por Estocolmo em busca de um espaço. Abrimos nosso primeiro espaço, em outubro de 1991, num apartamento, situado no andar térreo de um prédio muito decadente.

Quais as vantagens de administrar uma galeria nos dias atuais?

– A principal vantagem é ter a liberdade de escolher o que é importante para você. Poder exercer influência para convidar artistas para montar projetos e generosidade de convidar o público para vir vivenciar estes projetos. Ser capaz de dizer: “Ei, isso é importante e extraordinário, venha e veja!” porque é sempre uma emoção. O que é particular para o papel do galerista é a relação de longo prazo com os artistas e acompanhá-los continuamente no desenvolvimento de seus trabalhos. Temos trabalhado com alguns artistas por mais de 25 anos e há uma qualidade real nisso. Amo segui-los através dos bons e dos maus momentos.

E os maiores desafios?

– Os desafios são múltiplos, principalmente neste momento com a incerteza da propagação do Corona virus e as consequências que isso acarretará em termos de economia, restrições de viagens, etc. Dito isto, como galerista, sempre nos confrontamos com um grande grau de imprevisibilidade – em termos de que tipo de trabalho seus artistas farão, como uma exposição será recebida, se os projetos institucionais que estão em andamento realmente se materializarão e assim por diante – então, desenvolvemos a capacidade de lidar com a incerteza e ser adaptável, sempre.

Qual é o seu maior ‘dilema’ quando se trata do gerenciamento de galeria?

– Em um nível prático, as finanças são um problema constante à medida que os custos estão aumentando; as despesas gerais de administrar uma galeria ambiciosa são consideráveis, as somas de dinheiro que você precisa para a produção e as feiras de arte são grandes, as vendas são imprevisíveis e algumas pessoas não pagam em dia. Em um nível mais fundamental, sinto que o próprio conceito de “mercado” de arte (inédito em relação à prática contemporânea há não muito tempo) está ganhando importância demais – que esse discurso é definido pelas equipes de vendas de grandes galerias e sua linguagem. Isso, combinado com a importância comercial das feiras de arte e uma maior presença digital, coloca o foco em obras individuais e não em exposições, estabelecendo assim o preço de uma obra de arte em termos de custo financeiro e reputação do artista, em vez de colocá-lo como um valor imaterial intrínseco.

Dito assim, você acredita que as exposições são o melhor meio para capitalizar as obras dos artistas?

– Tenho muito interesse ​​na forma desse modelo e acredito fortemente que uma exposição é algo mais do que uma soma de obras individuais. Assim como acredito que o valor de uma exposição institucional é primordial em tornar uma obra acessível para um grande público e não apenas como uma maneira de agregar valor ao mercado de um artista. Em suma, fazer malabarismos com a realidade financeira de um mercado muito comercializado, mantendo que o valor da arte não é somente financeiro.

Você acredita que a tecnologia impactará o negócio da arte nos próximos 5 anos?

– Acho que é inevitável, ainda mais agora, após a propagação do vírus Corona, que as formas digitais de experimentar a arte se tornaram mais difundidas. O meu receio é que isso conduza a um modo de seleção, numa altura em que números – de visitantes, vendas, gostos – são tudo, e que corremos o risco de nos encontrarmos com obras de arte adequadas apenas a  determinados veículos de comunicação digital. Essa fórmula funciona e é compatível com o Instagram. Dito isso, também acredito que veremos artistas trabalhando com novas tecnologias para criar coisas que ainda não podemos imaginar.

Do ponto de vista de uma galeria, quais aspectos contam para participar de feiras de arte?

– Para nós, localizados até recentemente apenas em Estocolmo, que é uma pequena cidade na periferia desse universo artístico, as feiras de arte foram cruciais para o desenvolvimento da galeria. Começamos a fazer feiras em meados da década de 1990 e as coisas eram obviamente muito diferentes. As feiras nos permitiram criar relacionamentos com colegas, encontrar artistas, colecionadores e curadores – e, claro, fazer vendas. As feiras de arte tendem a ser vistas como espaços muito comerciais, sem falar que a tendência desse modelo é que ela cria uma valiosa construção de comunidade, troca de informações e experiências – e também diversão – que acontece durante esses eventos.

Como você se prepara para uma feira de arte e como você seleciona quais assistir, quando e onde?

– As feiras de arte exigem muito trabalho da nossa parte. Sempre cuidamos da curadoria de nossos estandes, geralmente fazendo estandes solo ou apresentações de 2 à 3 artistas. Fizemos a Liste nos dois primeiros anos que teve lugar em 1996 e 1997 e desde 1998 fazemos a Art Basel, que continua a ser a feira mais importante para nós e que preparamos meticulosamente com o objetivo de apresentar trabalhos novos e seminais. Entramos em contato com colecionadores, curadores e imprensa com antecedência, às vezes um desafio, pois apresentamos novos trabalhos que podem não estar prontos com bastante antecedência. A preparação também inclui o acompanhamento dos processos de produção, adequação do espaço do estande, dentre outros detalhes, além do planejamento de eventos sociais, tanto os que organizamos como os que pretendemos assistir. Também fazemos FIAC, uma incontornável na Europa, duas feiras escandinavas, CHART Copenhagen e Market Stockholm para ampliar nosso público de casa. No passado, realizamos o The Armory Show de Nova York, o The Independent, Art Basel Miami Beach e a Art Basel Hong Kong por muitos anos e ainda estamos em dúvida de qual seria a melhor feira de arte dos Estados Unidos para participarmos. Há muitos anos também temos ido à Cidade do México, primeiro fizemos a ZonaMaco, mas há três anos estamos fazendo a Material, uma feira mais jovem, menor e mais dinâmica.

Quais os seus critérios para levar a galeria à participar de uma feira de arte?

– Quando pensamos em uma feira de arte, olhamos para critérios como a qualidade dos colecionadores e curadores que atrai, quais outras galerias estão participando, qual o interesse que existe para nossos artistas e assim por diante. Acho importante que uma feira de arte tenha uma identidade clara, muitas delas estão se tornando bastante genéricas.

De acordo com sua experiência, quais valores caracterizam a cena da arte contemporânea?

– Não sei se é único somente para o mundo das artes, mas ainda é um lugar que opera uma certa magia, ondeé possível fazer quase tudo que você imagina. E apesar da comercialização e corporatização do mundo da arte nas últimas décadas, essa é uma arena onde organizações sem fins lucrativos e pequenos empreendimentos são levados a sério. Existe um pensamento crítico e liberdade no mundo da arte que considero valiosos.

Na sua opinião, olhando para o quadro geral, que valor a arte oferece à sociedade no mundo moderno?

– Em uma época onde as coisas são fragmentadas e instantâneas, a arte oferece complexidade de pensamento, processo, produção e a capacidade de reter e compreender várias, e às vezes contraditórias, ideias simultaneamente. E comunicar isso de forma não verbal, retendo também um elemento do desconhecido e do inexplicável.

Você poderia citar 3 artistas emergentes que o público deve ficar de olho?

Santiago Mostyn, verdadeiro cosmopolita que vive e trabalha entre culturas, criando um contexto de reflexão sobre o privilégio, a inclusão e a utilidade. Seu processo é intuitivo e baseado em pesquisas. O trabalho dele é muito forte.

Martín Soto Climent, o seu trabalho é discreto e muito intenso, referindo-se frequentemente às formas do corpo mas igualmente impregnado de espiritualidade. Ele tem uma habilidade muito particular de extrair sutilezas de imagens e objetos usando gestos mínimos.

Cecilia Bengolea, artista multidisciplinar, que trabalha com formas de dança antropológica e urbana, interpretando a dança e a performance como escultura animada, bem como vídeo, colagens e cerâmica, para citar apenas alguns.

Como você escolhe seus artistas?

– Não há uma resposta curta para essa pergunta… é uma mistura de instinto, paixão, pesquisa e muitas discussões entre Marina (Schiptjenko, sua sócia) e eu. Estamos constantemente estudando uma lista de artistas nos quais estamos interessadas.

Como você caracterizaria os artistas com quem trabalha? Como os artistas que você representa estão conectados?

– Há um certo traço comum e uma mentalidade conceitual em relação ao trabalho deles, embora possa não ser identificável como arte conceitual per se. Todos são inteligentes e apaixonados. Parece um clichê, mas é verdade!

Como você mantém contato com seus clientes e colecionadores?

O relacionamento com nossos colecionadores é muito pessoal, as ferramentas são nada fora do comum, mas bastante diferente de pessoa para pessoa – e-mails, telefone e texto para comunicação pessoal, Instagram e boletins informativos para informações mais gerais.

Quais os seus 3 principais destinos de arte no mundo?

– Definitivamente Paris – o que se oferece aqui é imbatível, tanto em termos de história da arte quanto em termos de arte contemporânea. E a cidade em si é a mais bonita do mundo. Nova York – nenhuma explicação se faz necessária. Cidade do México – para mergulhar em um patrimônio incrivelmente rico, bem como em arte contemporânea de ponta.

TEXTO – Marilane Borges 

IMAGEM – Cortesia da Galeria Andréhn-Schiptjenko © Colombe Clier © C. Maignien © Todos os direitos reservados

 

 

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