Ana Maria Tavares

12 de maio de 2023

Formada pela FAAP e com mestrado em escultura na School of the Art Institute of Chicago, Ana Maria Tavares cursou Project Development no Oxbow Art Center no Michigan  e defendeu sua tese de doutorado na Escola de Comunicações e Artes da USP (Universidade de São Paulo) em 2000.

Ana Maria Tavares é reconhecida por suas obras inspiradas nas obras utópicas da arquitetura modernista brasileira. Espaços modernos, como aeroportos, são temas recorrentes em seu trabalho, pois servem de simbolismo ao nosso exílio cotidiano, um lugar suspenso entre o real e o virtual. Ana costuma produzir instalações para museus nacionais e internacionais.

Correspondance Magazine® conversou com exclusividade com a artista brasileira durante sua primeira exposição individual em Paris, intitulada “Sortir du silence: au-delà de la modernité”, em tradução livre, “Sair do silêncio: para além da modernidade”, que fica em cartaz na Galleria Continua até 14 de junho.

“Embora já tenha participado de outras exposições coletivas na França e de ser representada pela coleção francesa FRAC Normandia, para esta individual busquei criar um contexto capaz de evidenciar as bases históricas, conceituais e poéticas que alimentam minha produção e a forma como o emprego de vários processos e técnicas utilizados na execução das obras se tornou um aspecto fundamental para dar visibilidade aos conteúdos de meu interesse,” afirmou a artista.

Conte-nos sobre esta exposição em Paris e qual a ideia que levou você a escolher as peças que estão expostas.

– Trago para Paris um conjunto de vinte e duas obras focadas na relação entre natureza e artifício. Faço uma abordagem que coloca em diálogo arquitetura e natureza, de forma a construir uma visão mais crítica acerca das ideologias que nutriram o desenvolvimento da arquitetura modernista, especialmente no Brasil, e busco demonstrar como nossa natureza “selvagem e ainda não domesticada” passou a ser entendida como a grande ameaça ao projeto moderno.

As obras aludem às reverberações sociais e políticas do projeto de modernização do Brasil e ainda apontam para as ideologias que influenciaram o desenvolvimento do país, advindas sobretudo de uma visão de mundo europeia, para quem a população e a natureza dos trópicos ainda deveriam ser “domesticadas” e submetidas às normatizações da ciência e da tecnologia.

Estes aspectos, baseados nos desenvolvimentos da ciência e medicina europeias do início do século XX, influenciaram decisões radicais em nosso país, no que se refere ao emprego dos “avanços” da medicina em nosso país e a consequente ideia de manipulação das raças e do espaço urbano, por meio de uma espécie de “ortopedia forçada”, realizada para a reorganização dos territórios, da natureza e da espécie humana.

Como você se preparou para desenvolver essas peças e/ou como se deu as pesquisas?

– A forma como trabalho se define nas relações que estabeleço entre espaço, obra e sujeito. Isto significa que é nesta relação compartilhada que se dá a obra, aqui intitulada Sortir du silence: au-delá de la modernité”.

Sua leitura se dá por meio da percepção do lugar como parte do trabalho exposto e este se completa na experiência do visitante. Cada exposição é para mim uma obra única, no sentido de que as relações tecidas entre cada peça vão gerar uma compreensão contextual. É o todo que me interessa, mais que a autonomia de cada obra apresentada.

Assim, o desenvolvimento do projeto para a exposição da Galleria Continua em Paris se deu a partir de maio-junho de 2022 quando pude esquadrinhar as salas da galeria para construir uma exposição coesa, na qual obras e ambiente pudessem ser vistos como uma unidade.

Após esta avaliação e feita a escolha das salas, tratei de elaborar os conteúdos que desejava trazer para este contexto. Sortir du silence: au-delá de la modernité” é, finalmente, o resultado do encontro de obras realizadas especificamente para esta mostra, acompanhadas de outras recentes.  

Você fala em seu discurso artístico dos legados de Niemeyer e de outras modalidades próprias da Escola Carioca, de posse dessas referências como você articulou as peças dessa exposição? 

– Ao trazer este conjunto para o mesmo contexto pela primeira vez, elegi conectar o suposto racionalismo da arquitetura modernista às diversas possibilidade de atravessamento deste racionalismo clínico, característico da Escola Carioca e legado de Oscar Niemeyer, com situações e gestos entendidos como mais apolíneos, impuros e orgânicos.

A exposição busca qualificar o ornamento por meio da artesania de mulheres do nordeste do Brasil e a joalheria, a fim de contaminar a estética moderna fundada na ordem e na pureza visual, em materiais e processos industriais; no programa e não no improviso, na aceleração dos modos de produção em contraste com o tempo da manualidade.

As peças criadas pelas artesãs trazem para a cena a forma como o século XX olhou, apropriou-se e interpretou a natureza e, consequentemente, utilizou-a como ferramenta ideológica e meio para representar o “outro” como exótico, selvagem, indomável e impuro.

Ao contrastar estes dois modos de produção as obras buscam se afirmar como resistência às ideologias vigentes, pautadas pela exclusão de tudo que foge aos pressupostos modernos, silenciando gestos e corpos. Como denotam os títulos de algumas das obras, o sentido das palavras “desviante” e “contaminação” servem para sugerir uma forma possível de afastamento destes pressupostos rígidos e dogmáticos, que tanto afetaram a nossa vida social e política e o entendimento de nossa própria identidade e pertencimento.

Houve alguma improvisação durante esse processo conceitual de escolha das peças a serem expostas? Conte-nos um pouco sobre isso…

– Não sou afeita a improvisações. O que é diferente de estar aberta para alterações no projeto, advindas de necessidades técnicas ou conceituais. E é por esta razão que mesmo quando as obras são realizadas em fábricas ou terceirizadas, faço questão de acompanhar todo o processo de dentro e de ter conhecimento profundo das técnicas.

Cada alteração deve ser analisada juntamente com os fabricantes para que não haja qualquer tipo de perda conceitual ou poética. Materiais e técnicas comunicam conceitos e é por isto que não se pode alterar um projeto de um artista, nem mesmo a relação espacial que este estabelece entre as obras, como é meu caso.

Por outro lado, não acredito em improviso, no sentido de agir sem planejamento prévio. Improvisar acaba carregando este aspecto negativo, do não saber fazer, ou não estar preparado para tal. Mas no sentido positivo do termo, improvisar não é fazer de qualquer forma.

Qual obra presente nessa mostra pode dar aos nossos leitores uma ideia exata do que você está falando?

– Posso citar um exemplo da obra “Flaky Flower”, que integra a exposição aqui em Paris. Uma peça constituída de várias partes feitas em crochê pelas artesãs, e que deve ser montada na parede, como um grande cacho de flor inventada. Esta forma de definir o projeto pressupõe que a obra irá adquirir sempre uma forma diferente a cada vez que for montada. Mas isto não é improviso.

Poderia dizer que estou tão familiarizada com o projeto, conheço suas bases conceituais e assim sou capaz de criar algo no momento, sem qualquer preocupação de “erro” pois, como os jazzistas, sei que terei condições de retomar o caminho da música em seu estado de criação. Mas este procedimento faz parte conceitual do trabalho.

Então, para finalizar, o que está fora do projeto pode ser bem-vindo, mas somente se for coerente às necessidades conceituais, senão, ficará sempre de fora. E, o improviso, num sentido mais direto, não cabe dentro das bases que estruturam meu trabalho.

Nesse sentido, podemos afirmar que você é uma adepta da pesquisa, do conhecimento da técnica que, de alguma maneira, enriquecem o processo artístico-criativo, dando-lhe bases sólidas?

– A pesquisa em arte é algo que o artista desenvolve ao longo dos anos, sendo que as obras vão  tecendo caminhos e respostas, enquanto revelam ainda mais questionamentos. Não há fim e nem a obra irá indicar uma verdade acerca das coisas. Mas é importante não restringir o termo pesquisa para indicar somente as investigações do artista no campo conceitual, histórico ou teórico.

De certa forma, a pesquisa no campo da arte compreende também as ações no campo prático, e estas têm um papel fundamental no desenvolvimento da produção. Artistas inventam técnicas, desenvolvem materiais e processos que são únicos e característicos da produção de cada um. E às vezes este processo demora anos, sendo possível até perceber o amadurecimento técnico alcançado por artistas ao longo do tempo. Isto também é pesquisa.

Essa exposição é rica em simbologias e demanda que o visitante desbrave universos intrincados, esse objetivo permeia todas as suas mostras?

– Considerada como parte de um contexto de investigação mais amplo, penso que cada exposição que idealizo visa trazer ao visitante uma experiência complexa, no sentido de que a obra deverá ter muitas camadas de significados para dar ao sujeito que tem a experiência da obra, um caminho de entrada.

Estas camadas são constituídas exatamente por uma gama enorme de sentidos que a obra evoca, do ponto de vista conceitual ou material. A meu ver, a obra transcende o que a motivou a existir e, quando compartilhada, entra em contato com as experiências passadas daquele que a vê e, só assim, outras percepções relevantes podem surgir.

A materialidade da obra, a forma como é construída e seu posicionamento, por exemplo, já são elementos suficientes para conectar o sujeito com suas experiências anteriores, algo imediato que ocorre com a percepção, fazendo com que suas lembranças também façam parte do trabalho. 

Dessa forma, cada peça agrega valor ao contexto semeando outros significados…

– Interesso-me, sobretudo, pela autonomia de cada peça, mas uma vez reunidas em uma exposição, irão construir um significado específico, comum e compartilhado. Postas em conjunto, as obras se contaminam umas das outras e, apesar de às vezes serem tão distintas em forma, em seus materiais ou gesto, sua base conceitual é comum a todas e, juntas, buscam um diálogo que deverão contribuir para a construção de uma única obra.

Ampliar a experiência crítica, transtornar o sujeito de forma a levá-lo a também à discutir junto com a obra questões muito familiares, mas imperceptíveis em seu dia a dia; ou ainda, os fatos históricos que fomos obrigados a assimilar, mas que hoje, já distanciados, podemos enfrentá-los de forma mais consciente e crítica, é a ambição primeira em tudo que faço.

Mas não há, verdadeiramente, a necessidade de que aquele que frui a obra deva perceber estes aspectos de primeira mão.

Sendo o Brasil tão rico em história e em contradições como sujeito de pesquisa artística, quais seriam os seus outros projetos para uma futura exposição/instalação sobre o país?

– Podemos dizer que um dos focos principais de minha pesquisa vem de indagações sobre nossa identidade como país, dentro de um contexto político recente bastante conturbado, que passa primeiro pelo projeto de modernização, incentivado e parcialmente alcançado por Juscelino Kubitschek; passa posteriormente pela ditadura e, nos anos subsequentes, pelo forte desejo de implementação do Estado Democrático.

Foram exatamente as contradições destes momentos políticos que passaram a provocar em mim, desde muito cedo, enorme inquietação. Os projetos que desenvolvo estão focados nestes interesses, mas suas referências também tocam as políticas e ideologias de outros países, pois não há uma história isolada, mas diversas histórias que se comunicam, e o Brasil é apenas parte de um processo de desenvolvimento mais amplo da cultura ocidental.

Citando você: “Como veremos o passado estando já no futuro?”

– Para isso parto de proposições hipotéticas e ficcionais que vou construindo graças às incríveis possibilidades de geração de imagem e modelação digital. Este será o tema central de um trabalho digital que desenvolvo e que será lançado agora em maio, em Florença, na Itália.

Especialmente para a mostra em Paris idealizei uma exposição cujo assunto traz para o centro da discussão uma relação afinada entre o passado e o presente de nosso país – como a visão europeia dos trópicos e a forma como reagimos e respondemos à esta visão ao longo dos anos –, levo a outros espaços proposições que partem da indagação acerca de nossa experiência em relação à natureza vista da perspectiva do futuro. 

Conte-nos um pouco sobre sua história e sua busca por uma identidade artística.

– Quando terminei o ensino médio, hesitei entre seguir com arquitetura ou arte, mas esse período de hesitação durou muito pouco. Assim, as Artes Visuais logo foram minha primeira e única escolha.  Infelizmente, meu primeiro ano na escola foi um desastre total pois não gostava da forma acadêmica como o curso na Faculdade de Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais estava estruturado e, por este motivo, fui migrando as disciplinas para o curso de literatura no Departamento de Inglês.

Por um tempo pensei em abandonar a escola de arte… Em 1978 tive a sorte de me mudar de Belo Horizonte para São Paulo, onde viria a estudar com artistas muito importantes como Nelson Leirner, Regina Silveira, Júlio Plaza e o historiador Walter Zannini, para citar alguns deles. Isso, somado ao fato de São Paulo ser um lugar ideal para o desenvolvimento de todas as artes, foi o suficiente para me fazer nunca querer desistir.

Estar próximo dos artistas foi o que me permitiu sentir-me confiante e tornar-me uma profissional. Apesar de ter participado de algumas coletivas, o ano da minha formatura, 1982, coincidiu com a minha primeira individual na Pinacoteca, em São Paulo.

Quais as suas referências do sistema de arte no Brasil?

– Nos anos 1980, o sistema de arte no Brasil ainda era muito frágil e a compreensão do “artista como agente” foi a chave para muitos desenvolvimentos artísticos. Nessa época os artistas eram muito próximos dos museus e vice-versa.  Houve muita colaboração e suponho que, por não sermos tão dependentes do mercado, tínhamos liberdade para criar espaço e tempo para experimentação.

Não só a arte conceitual foi uma grande referência, mas também todos os importantes desenvolvimentos artísticos dos anos 60 e 70, no Brasil e no exterior, foram seminais no processo de aprendizado para a construção de um pensamento crítico.

As referências foram importantes, mas desde então tenho consciência de que também é fundamental contextualizar a própria produção. Sempre estabeleci diálogos com várias referências históricas e estéticas, mas busco questioná-las e superá-las para propor novas formas de pensar passado, presente e futuro.

Como você construiu suas próprias referências nesse mundo da arte, brasileira e internacional?

– Acho que como todos, vamos somando, ao longo da vida, referências importantes de pessoas próximas. Claro que os anos de formação ao lado de grandes artistas brasileiros como mencionei acima e, posteriormente, meu mestrado no Art Institute of Chicago, foram anos especiais em que pude conviver com artistas de grande importância do Brasil e do exterior.

Além disso, artistas convivem com artistas, não importa a idade, a procedência, nem o reconhecimento do mercado. Esse é o maior privilégio e a oportunidade mais potente de troca. A meu ver, porém, o que impulsiona mais o artista não está fora dele.

É uma vontade gigante de se colocar no mundo por meio de sua obra, de poder mostrar a sua visão única. E isso não tem preço. Requer coragem, obstinação, persistência, paciência e clareza para navegar sem se perder no caminho.

Como é o seu dia a dia de trabalho?

– Intenso. Tenho cinco assistentes e a sorte de trabalhar com pessoas muito capacitadas e comprometidas. Nosso trabalho acontece todos os dias, em período integral. Sempre digo que após alguns anos de carreira o artista passa a cuidar do passado, do presente e do futuro de sua produção.

Por este motivo preciso hoje de pessoas que possam ajudar a manter o acervo de obras, o acervo de dados e, sobretudo, que me auxiliem no processo de criação, produção e documentação.

Como optei por um modo de produção onde a pesquisa técnica se torna elemento imprescindível no processo de criação, investimos muito no desenvolvimento técnico para produzir o trabalho. Empreendemos muito tempo na invenção de técnicas, na confecção de protótipos e testes, na escolha dos produtores, até chegarmos na obra final.

Você poderia destacar alguns desses viéses do seu trabalho de artista e empreendedora?

– Em nossa dinâmica de trabalho temos basicamente 7 eixos de atividades:

  1. desenvolvimento de obras que vão sendo criadas em um tempo expandido e sem qualquer comprometimento com prazos; que partem de ideias novas e exigem um tempo mais alongado;
  2. produção de obras que partem de outras obras ou edições de uma série, cuja pesquisa de materiais e processo técnico já estão desenvolvidos e, portanto, sua produção será mais rápida;
  3. empréstimo de obras já realizadas que serão expostas em novos sites e requerem algum tipo de adaptação ou restauro;
  4. revisão de obras já em coleção que demandam vistorias técnicas, restauro ou deslocamento;
  5. manutenção do acervo físico (obras produzidas) e digital (banco de dados);
  6. comunicação: redes sociais, websites etc. e, por fim,
  7. financeiro.

No sentido organizacional, o ateliê é uma empresa como qualquer outra e precisa que a programação das atividades seja eficiente para atender a todas as demandas legais e práticas. Não há um dia igual ao outro. Dia a dia tentamos aperfeiçoar estes processos os quais, a meu ver, são comuns para todos os artistas contemporâneos. 

Você imaginou desde o início de sua carreira que seu talento poderia levá-la, literalmente, tão longe?

– Acho que se pensarmos da perspectiva de uma geração que iniciou o processo de redemocratização do país nos anos 1980, formamos um grupo de artistas jovens muito otimista!!

Apesar de todas as incoerências políticas e sociais, havia naquele momento, no Brasil, uma ideia de que tudo ia dar certo, talvez porque o sonho de acabar com a ditatura estava próximo, ou talvez simplesmente porque éramos jovens, não sei. Mas sabemos também que não é só de talento que um artista contemporâneo precisa.

Além do talento, como você citou, quais outras demandas os artistas tinham ou ainda tem que assumir?

– Há muito mais demanda do que apenas talento. E no início da nossa carreira, como disse antes, colocamos em prática o conceito do “artista como agente”, termo este que se tornou referência para os artistas das décadas de ‘60 e ‘70 na qual o artista deveria ser criador, produtor, curador, crítico, PR etc. Enfim, fazíamos tudo que era necessário para que o trabalho fosse visto e divulgado.

No contexto da arte, vivíamos um momento em que tudo dependia do artista e suas relações com o meio, que era então aberto e permeável às nossas ações. Também fomos acolhidos pelos artistas e curadores das gerações anteriores, que acreditavam em nosso trabalho e nos incluíam em suas propostas curatoriais, ou nos eventos promovidos. Marcamos um lugar e seguimos até hoje.

Na sua opinião, essas ações impactaram e contribuíram, de uma certa forma, para a ‘integração’ da arte brasileira no contexto internacional?

– Acho que tínhamos a certeza de que nosso trabalho ficaria na história da arte do Brasil e trabalhamos intensamente pela internacionalização da arte brasileira.

Penso, attualmente, que esta certeza e quase arrogância foi excelente para não nos deixarmos levar pelo marasmo, pela falta de estrutura e financiamento dos museus e, sobretudo, pelo descaso da sociedade em relação à arte contemporânea.

Se hoje temos um sistema de arte superforte e ativo em todos os sentidos, acho que é consequência desta virada que aconteceu no Brasil a partir do início dos anos oitenta. E esta é uma análise que vale ser feita com profundidade, pois realmente a arte brasileira se firmou no mundo a partir de então. 

Valendo-se da sua dupla carreira de artista e professora, quais lições o exercício da docência lhe ensinou e vice-versa?

– Passei praticamente o mesmo tempo de carreira atuando como artista e como professora universitária. Tive que dividir meu tempo entre a criação, produção e exposição do trabalho junto com todas as atividades acadêmicas; além da vida pessoal, dos filhos, família, como todos os profissionais.

O exercício da docência e da orientação de artistas jovens, na graduação e na pós-graduação, foi extremamente importante e pode me dar uma agilidade de raciocínio enorme no sentido de afinar ideias e de ser capaz de perceber as hipóteses e as teorias advindas de cada obra, cada gesto.

Aprendi nestes anos a me distanciar de mim mesma – da minha visão de mundo e dos meus interesses e preferências pessoais –, para me colocar no lugar do outro, junto com o processo de elaboração criativa dos alunos. Este movimento de sair de si para chegar até o outro me ajudou, felizmente, a fazer o mesmo exercício de descolamento para ver criticamente meu próprio trabalho. A troca acadêmica incentiva as pesquisas, amplia nossa visão de mundo e a forma como vemos a arte e nosso trabalho artístico.

O que é ser artista para você no contexto atual do mundo?

– É resistir com poesia.

ENTREVISTA & EDIÇÃO DE TEXTO – Marilane Borges

IMAGEM – Cortesia da artista e da Galleria Continua © Ana Maria Tavares, Garden for Burle Marx, 2013 © Ruy Teixeira © Isabella Matheus © Ana Maria Tavares, Inventory Control II, 2023 © Pedro Perez Machado © Ana Maria Tavares, Eclipses – from the Social Hieroglyphs series, 2011 © Flávio Lamenha © Todos os direitos reservados

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