A melancolia de Ulisses

5 de junho de 2023

Fotógrafo francês de origem grega, Nikos Aliagas é também jornalista, produtor, apresentador, comentarista, colunista e fez carreira no rádio e na televisão, onde ficou nacionalmente conhecido na França ao  apresentar o Star Academy.

Graças ao seu carisma no comando desse reality show de grande sucesso, Nikos Aliagas se tornou um dos animadores favoritos dos franceses. Sua carreira no rádio e na televisão (The Voice, 50 Minutes Inside) é recheada de projetos tão diversos quanto variados, mas a fotografia sempre acompanhou esse criativo incansável, que entre uma audição televisiva e radiofônica, faz exposições fotográficas na França e na Europa.

Correspondance Magazine® conversou com exclusividade com esse talentoso fotógrafo, que se rendeu à fotografia para realizar um dos seus sonhos de infância. Nessa entrevista, Nikos Aliagas conta aos nossos leitores a história do seu mais recente livro, “Le Spleen d’Ulysse”, em tradução livre, “A melancolia de Ulisses”, e de sua exposição homônima em cartaz na Abadia de Jumièges, um dos mosteiros beneditinos mais antigos e importantes da Normandia.  

Qual o gatilho que desencandeou sua vida artística como fotógrafo?

– Em primeiro lugar, é uma emoção que remonta à infância. Descobrir numa caixa de sapatos fotos em preto e branco da minha família, dos meus pais jovens e de antepassados ​​que não conhecia me deu uma estranha sensação de nostalgia.

Percebi a força do tempo passando por esses rostos nem sempre sorridentes, porque a foto não era um encontro estético onde você posava sob seu melhor perfil, mas um testemunho social e familiar. Uma espécie de resistência ao tempo.

Houve um momento crucial em que você decidiu seguir a fotografia como projeto artístico?

– No começo fotografava apenas para mim, sem a intenção de mostrar, a chegada da internet e das redes sociais com certeza foi um gatilho.

Ser capaz de compartilhar meu trabalho com estranhos e ler seus comentários e observações me levou a dar um passo adiante e me ajudou a assumir a “exposição pública” do meu trabalho.

Não houve um momento específico e sim uma necessidade que só cresceu com o tempo. A necessidade de entregar uma imagem ao outro, um sentido de urgência, um olhar muitas vezes furtivo mas essencial.

Conte-nos sobre a história deste projeto de livro “Le Spleen d’Ulysse”

– O livro faz eco à exposição com o mesmo nome que se apresenta no recinto da abadia de Jumièges. Depois da primeira visita ao local, fiquei impressionado com os vestígios que o tempo e a loucura dos homens deixaram.

Le Spleen d’Ulysse é uma alegoria da viagem geográfica e interior, a busca de um outro lugar que carregamos na alma e na pele, como Ulisses travamos batalhas para encontrar a paz e a serenidade.

Encontrei sua nostalgia por todo o mundo, da Costa Rica ao Sri Lanka, de Atenas à Rouen, de Paris à Havana, homens e mulheres que, durante um silêncio, nos revelam muito mais coisas com um simples olhar do que com longos discursos.

O épico de Homero é uma alegoria universal que atravessa milênios e cristaliza o poder das palavras sobre os males de nossa efêmera existência.

Quais foram os critérios na escolha das imagens que apareceriam na publicação?

– Uma “boa foto não basta” dizia-me um velho fotógrafo quando comecei a interessar-me pela fotografia tentei transcrever o que sentia mais do que pensava ter visto “cultiva o mistério e o resto virá repetiu o velho para mim.

Foi precisamente isso que tentei fazer na escolha das fotos, contar uma história com a sua quota de mistério. Se não sei nada sobre um rosto que descubro no enquadramento, gosto de sentir e imaginar a sua existência nas latitudes que vão além do enquadramento. Na Odisséia, os cenários descritos por Homero são feitos tanto de imaginação quanto de mito, a fronteira entre o real e o imaginário não importa mais.

Da mesma forma busquei erradicar o arquétipo além de nossas certezas. Um homem que carrega no rosto as marcas de sua existência como se fosse um pergaminho é o mesmo homem em todos os lugares, seja da América Latina ou da Europa.

Que tipo de ‘ponto de discussão’ foi importante para você incluir?

– O baço de Ulisses é uma canção silenciosa, não é preciso entender a língua para ouvi-la. A passagem do tempo, a dureza da vida, a angústia do regresso ou da partida impossível são temas que me desafiam. Há algo de universal no olhar de quem ainda espera, algo imperceptível, mas terrivelmente forte.

Em geral, como acontecem suas sessões criativas: qual é a parte de preparação e prospecção artística antes, qual é o lugar da improvisação durante?

– Eu vivo no momento e me adapto ao que encontro no local ou, em última análise, ao que me encontra. Sempre tenho a sensação de que as imagens existem antes mesmo de o fotógrafo apertar o obturador.

Acredito no reconhecimento de uma imagem, como um estranho destino que liga o objeto ou o ser fotografado àquele que imprime um momento com sua câmera.

Este é necessariamente o resultado de um diálogo e não é um jogo de azar, mas uma conexão em um espaço-tempo que está além de nós.

Qual foi a parte mais gratificante desse projet para você? Qual foi o fato favorito e por quê?

– O momento mais forte e intenso é quando a história é criada. Encontrar um fio condutor e consistência tanto na escolha das fotos tanto quanto na declinação artística ou editorial do assunto.

Começar com uma folha em branco e aos poucos conseguir contar a história com meus colaboradores, gerentes de obra e técnicos. Depois vem a fase do enforcamento, luz, cenografia…

A criação é um momento raro, passar da intimidade e solidão do fotógrafo para a experiência coletiva da criação continua sendo um momento privilegiado.

Como você almeja que as pessoas se lembrem destas imagens?

– É difícil dizer… Cada um tem sua própria percepção das coisas. Que as minhas imagens não o deixem indiferente, essee já é um primeiro passo a dar… 

Como você definiria a arte fotográfica?

– A arte permanece um grande mistério, é ao mesmo tempo evasiva e impetuosa, inegociável e imperativa. É detalhe, resistência, respiração, reconhecimento, dúvida e silêncio. Uma arte é choro, é vida, é também morte. O testemunho de nossa existência frágil e ardente, bela e feia. A arte não é um julgamento, a arte é uma catarse e às vezes uma libertação.

Você tem algum projeto futuro sobre o qual possa nos contar? Ou projetos iniciados que você terminará em breve?

– Entre minha exposição em Veneza (Regards Vénitiens) e o Spleen d’Ulysse em Jumièges, minha agenda está muito ocupada no momento.

Com o que você sonha como artista?

– Com minha próxima foto…

ENTREVISTA & EDIÇÃO DE TEXTO – Marilane Borges

IMAGEM – Cortesia do fotógrafo Nikos Aliagas © Todos os direitos reservados

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