Bela Silva
“Num mundo onde tudo está se tornando uniformizado, onde encontramos as mesmas coisas em todos os lugares, onde se perdeu o direito à privacidade, à diferença, é muito importante para mim deixar minhas impressões digitais na cerâmica como uma marca que torna cada peça única e individualiza minha obra… ” É com essa mensagem forte que Correspondance Magazine® entrevistou a artista Bela Silva, que tem muitas de suas obras figurando em diversas coleções de instituições estrangeiras, entre as quais o Museu Nacional do Azulejo, em Portugal, e desenvolve um trabalho de parceira com arquitetos de interiores, como Suduca-Merillou, diretores da Galerie Saint Jacques, em Toulouse, que apresentaram obras exclusivas de Bela Silva durante a AD Intérieurs 2016, em Paris.
A artista portuguesa nasceu em Lisboa, onde cursou Escultura na Escola Superior de Belas Artes de Lisboa e Cerâmica do ARCO – Centro de Arte e Comunicação. Com Mestrado em Arte, pela Art Institute of Chicago, Bela Silva desenvolve em seus ateliers, em Nova York e Lisboa, um trabalho sensível inspirado pela riqueza de suas memórias, valendo-se como suporte da ilustração, da pintura e da cerâmica para expressar a força do seu talento. A influência das ornamentações maneirista e barroca conjugadas com temas da contemporaneidade, que produz uma estética kitsch, faz parte da assinatura das obras de Silva enquanto sua pintura narrativa e figurativa é caracterizada por uma grande ironia, integrando por vezes referências eróticas. Em suas esculturas aparecem temas recorrentes de monstros vinculados ao humor e suas peças em cerâmica possuem referências insólitas.
Quais imagens da sua infância fazem referência a artista que você se tornou?
– Quando criança era fascinada pelos contos infantis como “Alice no país das maravilhas” e gostava de ir às matinais de cinema aos domingos para ver todos os clássicos do Walt Disney. Na televisão portuguesa passava o programa do apresentador Vasco Granja que divulgava desenhos animados de outros países, como os desenhos em silhueta da Checoslováquia. Aos 6 anos recebi do meu pai um livro sobre Picasso e ver a capacidade de metamorfose em seu trabalho acabou sendo uma forte inspiração para mim.
De onde vem a sua paixão pela cerâmica?
– Desde que desenvolvi meu senso artístico, que sou fascinada pelos objetos e pelas esculturas em cerâmica. Sempre achei que a cerâmica diz muito sobre a identidade de um povo, o próprio material é poderoso no sentido que oferece um número sem fim de possibilidades e formas. É realmente uma paixão que tenho pelo barro e, como você sabe, paixões não se explicam, se sentem.
Qual o conceito de criação no seu ponto de vista?
– Criar é uma fluidez de energias e eu embarco nessa viagem de sensações, na surpresa da criação que surge a partir de uma ideia que me dedico a desenvolver em várias peças ou em vários suportes. Criar é uma razão de viver, no meu caso, não posso me imaginar fazendo outra coisa senão criar.
O que o termo “ser artista” significa para você?
– A capacidade de criação que identifica esse “ser artista” já nasce com a pessoa, faz parte da natureza da pessoa e filtrar informação visual é importante neste processo, além disso, ser artista não tem a ver com “ter jeito para”… Há uma grande diferença entre ser virtuoso e ser artista. Ser artista é acreditar, é perseverar. Muitas pessoas contam que “levam jeito para” mas acabam por se desviar da criação para ter uma vida profissional ou doméstica corriqueira e alegam que por isso deixaram de criar. Para mim, essas pessoas estão na categoria das que “levam jeito para” e não são verdadeiros artistas porque a essência de um artista é sua criação.
Você fala bastante em criar, na importância da criação, você acredita que é possível ensinar alguém a criar, a desenvolver seu potencial artístico?
– Sem dúvida, mas criar não tem a ver com futilidade, tem a ver com a força criativa interior que todos nós temos de alguma maneira. Lamento que os “revolucionários da educação moderna” estejam tirando o ensino da arte das escolas, afinal, criar faz parte da essência do homem, sua ligação com a natureza é fundamental para seu equilíbrio emocional. Não somos máquinas, pensamos, sentimos e por isso precisamos criar…
Que tipo de acessórios você usa para compor seus desenhos e moldar suas formas?
– Nos meus últimos trabalhos tenho usado muitos tipos de papéis diferentes para colagens, nas formas uso poucas ferramentas, são mesmo as mãos que acabam por ser a ferramenta principal, gosto de deixar a marca dos meus dedos, não deixo que as ferramentas apaguem a maneira como os meus dedos criam, essa diferença é importante para mim, é minha marca digital.
Como você escolhe seus temas artísticos?
– Minhas escolhas temáticas são completamente feitas pelo acaso, elas dependem das minhas vivências, podem surgir a partir da imagem de um livro, da parede de um mosteiro, de uma pedra, até mesmo um prato com Brócolis é inspirador. Tudo ao meu redor pode se transformar em realidade artística, na verdade.
De que maneira você responde às encomendas que lhe são feitas?
– É muito raro que eu aceite encomendas, trabalho com alguns arquitetos em projetos e sou completamente livre para a criação de peças. Tenho que ter essa liberdade senão fico bloqueada. Muitas pessoas tentam fazer pedidos de trabalhos iguais aos que fazia à 10-15 anos, mas isso não é possível, não consigo repetir nem voltar atrás nas minhas criações. Em um outro contexto, acho interessante perceber que em meus cadernos de Belas Artes as ideias que voltam a surgir atualmente são abordadas com outra maturidade, com outra visão. O que me deixa feliz é que o prazer e interesse pelos mesmos temas estão lá.
Se você pudesse realizar três sonhos, quais seriam?
– Gostaria muito de conhecer a América do Sul, porque conheço muito pouco o Brasil e o Peru. Também gostaria de trabalhar estreitamente com arquitetos de diferentes nacionalidades e poder montar uma escola para crianças e adolescentes onde o ensino da Arte fosse privilegiado.
O que inspira você no cotidiano?
– Minha inspiração é realmente a vida, os encontros, os acasos…
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