A simbologia da cor preta

15 de julho de 2020

No senso comum, a cor preta pode fazer alusão à tristeza e à reverência e por esse motivo pessoas que estão em luto muitas vezes vestem roupa preta, sendo uma cor preponderante em muitos funerais ocidentais. Além disso, também pode significar elegância, dignidade, luxo e sofisticação. Hayley Edwards-Dujardin, franco-inglesa, historiadora da arte e da moda, trabalha em vários projetos editoriais decicados às cores e respondeu gentilmente às questões de Correspondance Magazine® para falar sobre o lançamento do seu mais recente livro, batizado simplesmente de “Noir”, literalmente, “Preto” em português, lançado pela Éditions du Chêne. Essa publicação faz parte da coleção Ça C’est de l’Art (em tradução livre, Isto é da arte), que trata, entre outros assuntos, sobre a importância e o potencial das cores, escolhidas para ilustrar várias obras primas da arte. Cada coleção aborda historicamente a relação das cores, o azul e o dourado, por exemplo, foram estudados em seus simbolismos e utilização no mundo da arte. Especialmente para nossos leitores, Hayley Edwards-Dujardin discorre sobre a cor preta e todos os seus signos e significados.

Como surgiu a ideia de escrever um livro sobre a cor preta? Conte-nos um pouco sobre esse projeto.

– Os temas e artistas que abordamos na coleção Ça C’est de l’Art, vêm principalmente de minha editora, Hélène Sévin, da Éditions du Chêne. Discutimos sobre os assuntos e concordamos sobre os ângulos a explorar e as obras que estarão em destaque. É um processo de reflexão e trabalho muito pessoal e, ao mesmo tempo, coletivo. Muitas vezes ficamos surpresas quando partilhamos nossas ideias e elas se completam. Nossa colaboração é muito fluida. Depois de lidar com a cor azul no verão passado, queríamos olhar para o preto, que é uma cor essencial na história da arte.

Quanto tempo você demorou para planejar seu livro “Noir”?

– Em primeiro lugar, com meu editor, selecionamos as obras que queremos estudar no livro. É daí que veio a organização do livro e, obviamente, toda a minha inspiração. O tempo para esse trabalho é sempre bastante curto porque a coleção é densa e procuramos oferecer vários livros a cada ano.

Quais são as etapas para preparar um livro especificamente sobre cores? Conte-nos um pouco sobre a pesquisa que você fez para este livro “Noir”.

– Antes de começar a escrever sobre os registros artísticos que serão analisados, preciso entender a história do pigmento que estou contando. Estou ficando maníaca sobre o assunto! Rapidamente percebi que não podemos falar de uma obra pelo prisma da cor se não entendemos o que ela pode representar do ponto de vista técnico, principalmente para a maioria. A segunda fase é a dos símbolos e significados. É aqui que todas as histórias que conto surgirão. Compreender o simbolismo ancestral (que na maioria das vezes não mudou muito) significa entender o que o artista está tentando compartilhar, mesmo que eu também ouse me valer da subjetividade ao oferecer uma perspectiva pessoal. Por fim, para cada obra, mergulho em sua história, reúno todas as informações que encontro. Preciso multiplicar meus campos de pesquisa porque gosto da diversidade dos pontos de vista, todo esse processo me permite montar todos os ângulos, misturar e ordenar para me apropriar melhor do assunto.

O que você mais tem gostado de estudar sobre as cores?

– O tema da cor me faz olhar as obras de forma diferente. Estou me afastando da narrativa figurativa e tento recorrer mais às emoções, aos sentimentos… O ângulo da cor é uma verdadeira pepita para falar sobre arte moderna e contemporânea. A cor é aliada da arte abstrata e conceitual, mas também da nossa história, quando se torna objeto de reflexão mais íntima.

Qual é a parte mais gratificante de todo esse projeto para você?

– Acredito que, como em qualquer projeto criativo, existem dois momentos muito gratificantes. Aquele em que descobrimos o trabalho finalizado, quando recebo o livro impresso e descobro meus textos ali ao lado das imagens realçadas pelo layout. E a segunda etapa é o retorno dos leitores. Não há nada mais comovente do que saber que você, como escritor, transmitiu com sucesso seus pensamentos e despertou prazer, curiosidade e até mesmo novos conhecimentos no público.

Qual a sua opinião pessoal sobre a cor preta e por quê?

– O que acho mais interessante, e que despertou o meu interesse como um historiador da moda, foi descobrir como o pigmento preto para têxteis era particularmente caro até o século XIX. Essa informação mudou completamente minha visão sobre a chamada austeridade dos retratos flamengos da Reforma ou o negro profundo da Contra-Reforma espanhola. Eu vi uma hipocrisia ali que me espantou um pouco. Aquelas roupas pretas que eles vestiam sob o pretexto de modéstia ou piedade eram, na verdade, uma prerrogativa dos mais ricos e também um atributo luxuoso.

O que o mundo da arte significa para você?

– Muitas coisas. Vários universos criativos e inspirados. Não gosto de catalogar a arte em categorias. É por isso que escolhi uma atividade plural. Gosto quando todas as disciplinas se encontram. Para mim, o mundo da arte também está relacionado à criação de roupas, música, arquitetura, literatura, design… e até cultura pop. Há uma tendência de glorificar o mundo da arte como uma entidade separada, elitista e inacessível que apenas alguns iniciados podem entender. Uma verdadeira intelectualização da arte e não me reconheço nesta visão estreita. Para mim não existe sub ou alta cultura, há pontes a serem erguidas, reflexões comuns que podem convergir… O mundo da arte é sobre indivíduos movidos pela sede de criar, compartilhar e expor suas emoções em um processo artístico.

Se as pessoas pudessem tirar um ponto importante do seu livro “Preto”, o que você gostaria que fosse?

– Desejo que os leitores se apropriem, que eles se divirtam saboreando e pulando de um registro para outro sem uma ordem definida. O preto é múltiplo em seus significados e simbolismos e todos poderão encontrar algum detalhe que fale pessoalmente com eles, algo que pode evocar uma memória. O preto é mutável, dependendo do clima do dia. Freqüentemente nos concentramos no preto assustador de nossos medos infantis ou no preto do luto, mas espero que, ao ler este livro, todos se lembrem de que tudo o que é escuro pode ser claro, dinâmico, moderno e, às vezes, até reconfortante.

Pessoalmente, o que a cor preta significa para você?

– Elegância. É um absoluto atemporal. Gosto do fato de que os tons escuros são mutáveis, assim como eu também sou. Isso me traz de volta à minha humanidade. Há dias em que fico melancólica, outros feliz, alguns momentos por vezes nos sufocam enquanto outros nos libertam. O preto incorpora todos esses estados de espírito. Muitas vezes, não ousamos assumir a responsabilidade por essa flutuação de sentimentos e emoções, porque até mesmo o ciclo da vida nos assusta. O preto nos lembra que tudo isso é normal e que, mesmo na vida, existe escuridão e é isso que a torna ainda mais interessante…

TEXTO – Marilane Borges 

IMAGEM – Cortesia da autora e das Éditions du Chêne © Neven Krcmarek © Todos os direitos reservados

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