“Fashionopolis”

18 de novembro de 2019

Todas as manhãs, acordamos e nos fazemos uma pergunta básica: “O que vou vestir hoje?” Em nossa era de “moda rápida” – com a indústria mundial de roupas produzindo 80 bilhões de novas roupas anualmente e empregando uma em cada seis pessoas no mundo, estamos mais propensos do que nunca a escolher algo novo, barato e fabricado em um país em desenvolvimento. Mas o preço que parece barato ao consumidor tem um custo enorme para o meio ambiente e para a economia além de explorar trabalhadores em todo o mundo. Em “Fashionopolis: O preço da moda rápida e o futuro das roupas”, lançado pela editora Penguin Press, a jornalista e autora veterana Dana Thomas investiga os danos causados ​​por nossa enorme indústria de roupas e o movimento global que vem lutando para reformá-lo. Thomas revela a cadeia de suprimentos, sedenta de lucro, que depende do trabalho das oficinas, causando tremenda degradação e desperdício ambiental. Para escrever esse livro a autora viajou pelo mundo para descobrir designers e empreendedores visionários que estão recuperando os meios tradicionais de produção e lançando tecnologias de ponta para produzir uma moda lenta e sustentável.

Os primeiros capítulos de “Fashionopolis”  lançam luz sobre as realidades preocupantes da cultura da moda “descartável” de hoje: como, em média, uma roupa é usada apenas sete vezes antes de ser descartada; por que mais de 20 bilhões de peças de vestuário produzidas a cada ano não são vendidas; como as calças jeans – a peça mais popular do mundo, com seis bilhões de pares produzidos anualmente – também são as mais poluentes em sua fabricação; e as dramáticas consequências econômicas nos últimos trinta anos nos Estados Unidos. Dana Thomas explora ainda a história da “moda rápida”, ou seja, roupas produzidas em massa que são baratas, mas ruins para o meio ambiente e para os trabalhadores. Abordando alguns itens com informações precisas sobre o mercado e a produção de roupas, “Fashionopolis” apresenta um panorama das consequências do alto consumo, elucidando algumas questões de como a moda se tornou um sistema industrializado para ganhar dinheiro e não é sustentável. Dos mais de 100 bilhões de itens de vestuário produzidos a cada ano, 20% não são vendidos. No entanto, a taxa de consumo está aumentando e os especialistas preveem que até 2030 compraremos e consumiremos 63% a mais anualmente, ou seja, o equivalente a 500 bilhões de camisetas por ano. Para chegar a essa realidade, os números não mentem, afinal, em média, uma peça de roupa é usada apenas sete vezes antes de ser descartada. De um milhão de toneladas de roupas produzidas a cada ano, cerca de 87% são colocadas em aterros ou incinerados e apenas 1% é reciclado.

O impacto ambiental continua e tem um vilão que atende pelo nome de “Blue jeans”, pois é, o jeans azul é a peça mais popular de todos os tempos e os antropólogos acreditam que metade da população do mundo está vestindo ou já vestiu um jeans na sua vida. Não é de se espantar que para suprir essa demanda, seis bilhões de pares de jeans são produzidos anualmente. Mas o jeans azul também é a roupa mais poluente, tanto em sua criação quanto na sua vida após a morte. Tradicionalmente, confeccionar um par de jeans requer uma média de 70 litros de água, 1,5 quilowatts de energia e 150 gramas de produtos químicos. No total, isso equivale a surpreendentes 350 milhões de litros cúbicos, ou seja, 92 milhões galões de água, 7,5 bilhões de quilowatts de energia, o suficiente para abastecer a cidade de Munique por ano, e 750.000 toneladas de produtos químicos a cada ano. Como se esses dados não fossem alarmantes o suficiente, o Banco Mundial estima que o setor da moda seja responsável sozinho por 20% da poluição da água industrial liberando 10% das emissões de carbono. A indústria da moda devora sozinha um quarto de todos os produtos químicos produzidos em todo o mundo e, pasmem, a criação de apenas uma camiseta requer um terço de meio quilo de fertilizantes e consome 25,3 quilowatts de eletricidade.

Thomas ilustra o fardo brutal que repousa sobre os trabalhadores que produzem essas peças, trabalhando em fábricas insalubres e perigosas, vivendo abaixo do nível da pobreza. O impacto sobre a vida do ser humano é um dos fatores mais relevantes nessa guerra para vender roupas a preços baixos. Tendo na outra ponta do processo os varejistas que confiam a produção terceirizada para os países em desenvolvimento, onde há pouca ou nenhuma segurança e supervisão do trabalho e os salários são irrelevantes. Apesar da moda empregar uma em cada seis pessoas em todo o mundo, a maioria das estimativas diz que menos de 2% delas ganham um salário digno. Em “Fashionopolis”, Dana Thomas relata sua experiência quando viajou para Bangladesh, no quinto aniversário da catástrofe do colapso do Rana Plaza, e constatou que as condições de trabalho nas fábricas de vestuário apesar de terem sido aprimoradas com regulamentos estabelecidos pela corporação em 2013 depois do desastre, como o acordo sobre fogo e segurança, muitos problemas permanecem intactos, incluindo os baixos salários, o abuso sexual e físico que ocorrem nas fábricas.

Outro tema abordado por Dana Thomas, trata-se do selo “Made in USA” que, segundo a autora, nem sempre indica integridade ou transparência do processo. “Fashionopolis” também mergulha na realidade de fábricas domésticas nos Estados Unidos, em particular Los Angeles, onde imigrantes sem documentos trabalham em condições esquálidas. Apoiada em pesquisas efetuadas ao longo dos últimos anos, Thomas descreve o quanto o impacto econômico e as conseqüências do offshoring foram tremendas, especialmente no Ocidente. A autora detalha como esses problemas cresceram exponencialmente ao longo das últimas duas décadas, com as compras on-line ocultando os consumidores sobre a origem de suas roupas. “Entre 1990 e 2012, a indústria têxtil e de vestuário dos Estados Unidos perdeu 1,2 milhão de empregos”, escreve. Consequentemente, uma riqueza enorme foi criada em “moda rápida” e, nos últimos 30 anos, a moda cresceu de um comércio de 500 bilhões de dólares para um gigante global de 2,4 trilhões de dólares por ano”, confirma a jornalista. “Globalmente, o comércio eletrônico de moda atingiu 481,2 bilhões de dólares em 2018 e a expectativa é de atingir  713 bilhões de dólares até 2022. Em 2018, cinco dos cinquenta e cinco indivíduos mais ricos do mundo eram proprietários de empresas de moda.”

Na segunda parte de “Fashionopolis” a autora comenta e sugere algumas soluções industriais, como o potencial da impressão 3D para revolucionar todo o jogo da moda. “Na verdade, é possível que imprimiremos nossas próprias roupas em casa por meio de links de compra nos próximos anos”, atesta Dana Thomas. Os varejistas que trabalham com o conceito de sob encomenda, como Moda Operandi, em Nova York, estão descartando modelos tradicionais de varejo de moda e democratizando o gosto e o estilo do consumidor. Há reformas de sustentabilidade em andamento nas principais lojas de departamento, como a Selfridges de Londres, e também nas principais cadeias de lojas de varejo, como H&M e Madewell. A tendência para uma moda mais sustentável foi vista mais recentemente com a promessa da Zara de fazer mudanças radicais em seu modelo de negócios em direção à sustentabilidade. Além disso, a moda circular tem comprovado seu sucesso: novas lojas de consignação on-line prometem reciclar a alta moda com responsabilidade, enquanto empresas de aluguel de roupas como a Rent the Runway estão mudando o mercado desse segmento.

O que você, leitor, pode fazer para evitar tanto desperdício na moda? Essa é a questão que a autora aborda, oferecendo uma lista de sugestões que vão da forma como lavar suas roupas com menos frequência à quebrar o hábito de jogar um par de jeans na máquina de lavagem depois de usá-los apenas uma vez. “Use várias vezes as roupas antes de colocá-las para lavar, limpe pequenas manchas e use ciclos de lavagem frios e curtos”, aconselha a autora. “Você reduzirá o uso da água, cortará as despesas domésticas e prolongará a vida útil de suas roupas – uma vitória para o planeta, sua carteira e seu cesto de roupa suja.” Outra dica de Dana Thomas é que antes de comprar jeans novos ou outra camiseta preta, você olhe dentro do seu armário para ver se já tem essas peças. Ou tente reunir alguns amigos para uma festa de troca de roupas.

Para quem quiser radicalizar na mudança dos seus hábitos de consumo, Dana Thomas sugere alugar o guarda-roupa e comenta que, atualmente, há um número crescente de sites e programas que facilitam o aluguel de roupas de moda de alta qualidade, adaptadas ao tamanho e estilo de cada consumidor. “O aluguel manterá seu guarda-roupa novo e protegido de tanto desperdício. Você será mais ousado em suas escolhas – tornando-se mais fashion -, pois vai investir em itens que tem vida longa. Se você se apaixonar por um visual, sempre poderá comprá-lo”, atesta a autora. Outra dica valiosa diz respeito à moda de segunda mão. Apesar de não ter um passado muito glorioso, as lojas de consignação durante muito tempo estiveram cheias de roupas desbotadas e passadas, mas isso não é mais uma realidade. “Nas últimas duas décadas, quando as estrelas de Hollywood começaram a desfilar nos tapetes vermelhos com roupas vintage, houve uma revolução no mercado de segunda mão. Hoje, você encontra ótimas ofertas de coleções impressionantes e roupas de qualidade em brechós e sites especializados.” Alguma roupa desgastada espreita no seu armário que você parece nunca usá-la? Considere vendê-las online. “Você ganhará dinheiro de volta e suas roupas terão uma segunda vida. Muitos dessses comércios on-line dão crédito a outros itens, para que você também possa atualizar seu guarda-roupa.”

Em “Fashionopolis” a questão dos sacos plásticos não passou despercebida, sugerindo que se você tem o hábito de levar sua bolsa de tecido para o supermercado, não se esqueça de levá-la ao comprar roupas também. Outra orientação de Dana Thomas diz respeito à reparação e reutilização, em vez de jogar fora roupas manchadas ou rasgadas, pense em exagerar o desgaste ou camuflar com bordados visualmente atraentes. Tais tratamentos personalizam itens, além de torná-los únicos, e proporcionam uma vida mais longa à peça. E se você fizesse pequenos ajustes por si mesma?, sugere Thomas sobre “a revolução do criador que trouxe de volta à moda o tricô doméstico, a costura e o bordado.” Uma ideia simples, que pode ser implementada em ateliês para aprender o tricô, a costura com pontos de abelha ou ainda aprender à consertar as próprias roupas. Para finalizar, a autora faz um convite para que exerçamos a generosidade. “Em vez de jogar fora seus sapatos usados, procure uma organização de caridade local que possa redirecionar esses acessórios para as comunidades que precisam deles.” O planeta agradece por todas as boas ações empreendidas em favor de um consumo consciente.

TRADUÇÃO & EDIÇÃO DE TEXTO – Marilane Borges

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