O herbário de Marcel Proust

22 de novembro de 2017

“Confiando em suas memórias, Proust permanece fiel aos jardins de seus primeiros anos onde os aromas de lilases, rosas, castanhas e limas o encantaram. (…) menos sensível a outras plantas com perfume (…), como o jasmim, que são vagamente mencionadas. O gerânio lhe parece mais interessante pela sua cor e textura que pelo seu perfume. No entanto, os bons cheiros de terra molhada, as folhas, a grama morta e fresca voltam regularmente nas páginas de “A procura do tempo perdido”. Nem uma palavra sobre a fragrância da madressilva, do lírio, das gardênias, das violetas, das ervilhas doces, das glicínias…” Com essa descrição detalhada sobre a análise da obra literária de Marcel Proust, sob o prima botânico, a jornalista e escritora americana, Dane Mc Dowell, escreveu o livro “O herbário de Marcel Proust”, lançado pela editora Flammarion com delicadas ilustrações artísticas assinadas por Djohr, que demostram os sentimentos, a textura e a contrução da bibliografia do escritor francês.

Quando se trata de apresentar a personalidade de Marcel Proust através dos seus escritos relacionados à flora, Mc Dowell se desdobra em referências sobre o quanto a obra literária do autor está diretamente vinvulada com os sentidos sensoriais e o quanto ele absorveu, de alguma maneira, a influência da sua apreciação pela flora citando-a de modo sempre emocional e estético. Para ilustrar essa análise, uma passagem do texto do romance “Do lado de Swann” coloca em evidência sua sensibilidade aos odores, às cores e à beleza floral: “Desde o primeiro momento eu fiquei moralmente intoxicado pelo cheiro desconhecido de vetiver, convencido da hostilidade das cortinas roxas e da indiferença insolente do pêndulo, que estava tagarelando em voz alta como se eu não estivesse lá…” “Em geral, Proust prefere negligenciar o perfume das flores para se concentrar em sua cor, beleza ou graça, atesta a autora americana. Ele gosta de ver as flores debruçadas sobre uma superfície plana, uma lagoa, um beco,” relata Dane Mc Dowell em um dos capítulos desta publicação. 

Correspondance Magazine© conversou com a escritora, que tem Doutorado em línguas romanas, pela Universidade de Oklahoma, e lecionou língua e literatura francesas durante cinco anos no departamento francês desta universidade. Para além da “síndrome de Proust”, como a psicologia moderna se refere ao ressurgimento dessas emoções enterradas no sistema límbico do cérebro, “O herbário de Marcel Proust” oferece um resumo literário e poético sobre o interesse desse autor melancólico e sensível em relação à natureza, humana e botânica.

Como surgiu a ideia de escrever este livro sobre “O herbário de Marcel Proust”? Houve um evento que desencadeou essa pesquisa?

– A leitura sempre foi um refúgio e um prazer imenso para mim. Encontrei no “A procura do tempo perdido” uma fonte inesgotável de alegria e aprendizado e me dei conta de que a recorrência do tema floral imediatamente me empolgou. Todavia, foi um buquê extraordinário mesclado pelo meu amigo, o designer florista Christian Tortu que, na época, tinha uma floricultura perto do cruzamento do metrô Odeon, em Saint Germain des Prés, a razão desse interesse súbito pelo assunto. O buquê “Proustiano” era generoso em sua redondeza e volubilidade cheio de dálias vermelhas, púrpura, granada e outras flores impensáveis, todas fora de moda – talvez crisântemos – que evocavam as elegantes roupas usadas durante o dia no início do século XX. Pensei em Sarah Bernhardt, na Condessa Greffulhe, enquanto admirava e me deleitava com a combinação dessas flores ligeiramente negligenciadas, repletas de cores escuras e tão preciosas como joias antigas.

Quanto tempo você levou para escrever “O herbário de Marcel Proust”?

– Trabalhando em tempo integral, em meio a outros projetos de livros para diferentes editores, tive pouco tempo para me concentrar no projeto Proust. Tinha um plano em mente onde desenvolvi a evolução do tema das flores e comecei a escrever brevemente os diferentes capítulos. Determinada a publicar este livro, que é uma revisão paralela do “A procura do tempo perdido”, li e reli todo o trabalho de Proust, consultei muitas obras críticas e tomei notas de vários assuntos correlatos. Todo esse processo durou um longo tempo entre 6 e 8 anos com intermináveis ​​interrupções.

Existe algo em comum entre os textos de Proust e a paixão que ele possuía pela botânica?

– Ainda adolescente, Proust havia se dedicado à botânica ao lado do padre de Illiers, vilarejo onde ele passava férias com sua família. Como adulto, quando dedicou sua vida à escrita, consultou frequentemente o livro de Gaston Bonnier, publicado em 1909, sobre “A flora completa da França, Suíça e Bélgica”. Proust usa metáforas florais que não tem nada a ver com a linguagem das flores para apoiar sua demonstração. Amparando e desenvolvendo sua ideia principal de que ele se compara a um “botânico moral”, a flora transforma, escurece, desaparece e reaparece sob uma expressão poética inesperada para acompanhar, logicamente, a conclusão do tempo recuperado. O significado de flores e plantas evolui lentamente, insidiosamente, emprestando o ritmo de alerta de um adolescente para terminar com a meditação jubilosa de um homem envelhecido, enclausurado e com a porta do seu quarto fechada. Mais do que um brilhante exercício de estilo cheio de metáforas, a botânica é uma ferramenta que leva a verdade ao grande trabalho intelectual de Marcel Proust.

Os leitores podem esperar a publicação de um novo livro nesse mesmo estilo sobre outro escritor? Desta vez, sobre a obra de quem você gostaria de se debruçar?

– Gostaria de continuar a explorar a importância das flores na criação imbuída de sensualidade de outros escritores como George Sand, Flaubert, Colette ou ainda a personalidade enigmática e brilhante de Yves Saint-Laurent. Mas, no momento, devo terminar um projeto em andamento sobre arquitetura e jardins na Provença.

Quais são os seus futuros projetos literários?

– Tenho vários livros em andamento, incluindo um romance noir, cômico-erótico, e outro muito crítico sobre a gastronomia e os chefs que possuem estrelas em guias especializados, além de alguns textos de ficção, mas não tenho tido tempo para avançar com a escrita como deveria…

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