Vamos falar sobre Picasso

25 de outubro de 2019

Quando a Segunda Guerra Mundial atingiu a França, Pablo Picasso optou por permanecer em Paris, ao contrário de muitos outros artistas que fugiram da ocupação alemã. Como seu estilo artístico foi considerado degenerado pelo regime nazista, Picasso não exibiu seu trabalho publicamente durante a guerra. Com a cidade sob toque de recolher, os parisienses eram constantemente presos e interrogados, e o artista não era exceção. Dando eco à esse período turbulento da história da humanidade, o Museu de Grenoble apresenta até 5 de janeiro de 2020 uma exposição intitulada “Picasso 1939-1945 – No coração das trevas”, produzida em parceria com o Museu Nacional Picasso-Paris e beneficiando de um empréstimo excepcional do Centro Pompidou – Museu Nacional de Arte Moderna, este evento reúne 137 criações entre as quais, pinturas, esculturas, desenhos, gravuras e tem como proposta estudar um dos períodos mais sombrios da vida e da obra do mestre espanhol.

Nesses anos tenebrosos entre 1939-1945, Picasso foi particularmente assediado pela Gestapo, a polícia secreta nazista. Em uma ocasião, enquanto os nazistas revistavam seu apartamento, um oficial da Gestapo viu uma fotografia de uma das obras mais famosas de Picasso, “Guernica”. A pintura, que data de 1937, mostra o bombardeio de Guernica, cidade espanhola atacada por fascistas alemães e italianos sob a direção de Francisco Franco e pelos nacionalistas espanhóis. Quando o oficial da Gestapo viu a fotografia, ele perguntou a Picasso: “Você fez isso?”, e a resposta do artista foi ousada: “Não, foi você quem fez.”

“Picasso 1939-1945 – No coração das trevas” se desenrola em 16 salas com 137 obras e cerca de 60 documentos de arquivo, que traçam a vida e a obra de Picasso desde o exílio em Royan, em 1939, até sua instalação nos ateliês dos Grandes-Agostinhos, em Paris, entre 1940 e 1945. A guerra não atrapalhou nem diminuiu a criatividade de Picasso, que pintou incansavelmente a guerra sem jamais representá-la literalmente. Por exemplo, “L’Aubade” e “L’Homme au mouton”, são obras-primas do período, além disso, a exposição oferece um verdadeiro mergulho nesse universo dos anos de ocupação, relacionando as amizades, as colaborações literárias e os eventos históricos, que foram para o artista tanto um período de exílio interno quanto um laboratório de novas formas de criação. Durante a guerra Picasso criou várias peças importantes, incluindo a Still Life With Guitar, em 1942, e The Charnel House, em 1944. Ao mesmo tempo, ele imaginava esculturas em bronze e, apesar dos alemães terem proibido sua distribuição, seus amigos da Resistência Francesa contrabandeavam o metal para ele. O artista também escreveu poemas e peças de teatro durante os anos da guerra, a maioria deles de ordem escatológica e erótica. Estima-se que Picasso tenha escrito mais de 300 poemas em sua carreira e parte de seu desafio à ocupação foi a leitura de uma de suas peças em 1944, com Albert Camus como diretor e a atuação de escritores como Jean-Paul Sartre e Simone de Beauvoir.

O icônico artista espanhol é um dos raros artistas que ganhou fama e riqueza enquanto ainda estava vivo. Nascido em 25 de outubro de 1881, em Málaga, o co-fundador do Cubismo se movimentou bastante durante sua infância. Sua família mudou-se para A Coruña quando ele tinha dez anos e ficou lá durante quatro anos, antes de se mudar para Barcelona. Apenas dois anos depois, o jovem artista se instalou em Madri, onde estudou na escola de arte mais prestigiada da Espanha, a Real Academia de Belas Artes de San Fernando. Como um estudante pobre, Pablo Picasso retornou a Barcelona em 1899 e permaneceu lá até o início do século XX antes de se instalar em Paris, onde passou a maior parte de sua vida adulta. Na capital francesa ele abriu um estúdio e criou a maioria de suas pinturas, embora seja mais conhecido como mestre das telas, sua arte incluía cerâmica, escultura, dramaturgia e poesia. Constantemente experimentando, Picasso mudou de estilo muitas vezes durante sua carreira incrivelmente rica e frutífera.

Para falar sobre Picasso com riqueza de detalhes, apoiado em documentos e fotografias históricas, o catálogo da exposição “Picasso 1939-1945 – No coração das trevas” é um tesouro, publicado pela In Fine Editions sob a direção editorial de Sophie Bernard, curadora-chefe, responsável pelas coleções modernas e contemporâneas do Museu Grenoble, e assistida por Éléonore Harz. Esse livro primoroso retraça a carreira do famoso artista durante esse período de guerra, onde ele permaneceu em Paris até sua libertação em 1944 e conta com textos de Guy Tosatto, Suzanne Gaensheimer, Brigitte Leal, Laurence Madeline, Sophie Bernard, Guitemie Maldonado, Stéphane Guégan e Martin Schieder. Tratado como herói, o pintor de 63 anos de idade era constantemente visitado por amigos e admiradores que ficaram encantados com seus atos de coragem durante a guerra e o catálogo compilou inúmeras fotos de época, mostrando os principais acontecimentos artísticos do pós-guerra. Apenas seis semanas após a libertação de Paris, durante a exposição de arte organizada no recém-aberto Salon d’Automne, tendo Picasso como um dos participantes homenageados, suas obras não foram aceitas pelos jovens mais conservadores e de direita, cujos membros até tentaram destruir suas pinturas. Felizmente para o artista, a polícia interveio e vigiou toda a exposição. Este e muitos outros fatos históricos são relatados nesse livro que pode ser considerado uma obra de referência sobre a vida de Pablo Picasso.

TEXTO – Marilane Borges

IMAGEM © Picasso Pablo (dit), Ruiz Picasso Pablo (1881-1973). Paris, musée national Picasso – Paris. MP180 © Picasso Pablo (dit), Ruiz Picasso Pablo (1881-1973). Paris, musée national Picasso – Paris. MP178 © Picasso Pablo (dit), Ruiz Picasso Pablo (1881-1973). Paris, Centre Pompidou – Musée national d’art moderne – Centre de création industrielle. AM2734P © Picasso Pablo (dit), Ruiz Picasso Pablo (1881-1973). Paris, Centre Pompidou – Musée national d’art moderne – Centre de création industrielle. AM2730P © Pablo Picasso; Femme au chapeau assise dans un fauteuil; 1941–1942 © Picasso Pablo (dit), Ruiz Picasso Pablo (1881-1973). Paris, musée national Picasso – Paris. MP189 © Cortesia In Fine Editions

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