As veias abertas da porcelana
Trabalhar a porcelana, moldando ideias, como um poeta escolhe as palavras para escrever poemas, Simon Holpert transforma a matéria em metamorfose manual, esse é o seu talento. Durante o Gabinete Especializado de desenho, o DDessin, que aconteceu em Paris entre 23 ou 25 de abril, o artista franco-húngaro, apresentou uma coleção de esculturas murais, peças utilitárias isoladas, esculpidas em porcelana, essa matéria refinada que pela sua brancura revela veias deliberadamente aparentes, criando uma obra orgânica, que recebe em seguida uma demão de esmalte. Os papéis recortados de Henri Matisse e as composições de Hans Arp são algumas das referências de Simon Holpert, apropriando-se das palavras do compositor que dizia que “a arte é uma fruta que cresce no homem”, uma referência explícita aos filamentos metálicos, que aparecem em suas porcelanas como veias, deixando a imaginação livre para vagar em circuitos artísticos mentais, esculpindo interpretações que podem ser reveladoras. “Esse é o meu maior prazer: deixar o público tornar-se o narrador das minhas obras”, atesta o artista.
Graças a Christophe Delavault, co-diretor artístico do Salão de Desenho Contemporânea – DDessin, que descobriu suas esculturas murais. Simon que participou dessa 6ª edição comenta, que sua obra, evidentemente, não está diretamente relacionada ao desenho, se levarmos em consideração a etimologia da palavra, onde o gesto foi separado da intenção no século XVIII para criar duas palavras. “No entanto, organizo os fios de cobre em uma superfície de porcelana não plana, seguindo ou não as curvas criadas naturalmente.” Esses desenhos formados pelo cobre em contato com a porcelana dão as minhas criações características e efeitos obtidos pelo cobre após o cozimento em forno elétrico de alta temperatura (1260 °C),” teoriza Holpert. “A ideia não é, necessariamente, representar a realidade, mas deixar o espírito fluir no exercício da observação, transformar-se em paisagens interiores, dos sentidos, das impressões…”
Valendo-se das técnicas de placa, estamparia e modelagem, Simon Holpert espera pacientemente a secagem das peças, que segundo ele é um momento muito importante da criação para obter acabamentos irrepreensíveis. “Em seguida, incluo minha técnica de “aventureiro” porque gosto de flertar com a porcelana e sua harmonização com novos materiais como, por exemplo, o cobre. Em todos os processos são minhas mãos que me guiam, fazendo vibrar o que tenho dentro de mim, minha personalidade, minha história pessoal,” conta poeticamente Holpert, que estudou filosofia, lingüística, geopolítica e se dedicou durante alguns anos a uma carreira internacional. A grande virada da sua vida foi quando ele se questionou sobre o que ele seria capaz de criar com suas próprias mãos. “A ideia de investir nesse mundo artístico-decorativo surgiu durante uma visita que fiz a uma oficina, na região parisiense, onde conheci Lise Meillan, ceramista especializada na criação de esmaltes, e pedi para ser seu aluno. Aos poucos descobri o material e fui domesticando a porcelana com os dedos, apreendendo o movimento das mãos,” conta. Desde 2012 Simon Holpert trabalha com porcelana e em 2014 começou a exibir suas invenções, “minha mão é o ponto de partida das minhas sensações para imaginar minhas criações,” explica.
Como quem conhece a importância do toque, discursa sobre suas coleções apaixonadamente, “o objetivo é acessar a intimidade do objeto, por isso quero desenvolver minhas pesquisas e experiências sensoriais em porcelana para me propriar de novas formas.” Para esse artista de 41 anos, que coleciona cartões postais de obras de arte de vários museus europeus, projetos rimam com oportunidades. Enquanto ele continua desenvolvendo seu trabalho em torno da porcelana, suas possíveis interações e as percepções que as peças proporcionam, seus projetos se espandem para outras áreas, como o universo dos acessórios e da moda. “Muitas pessoas ao observar minhas criações de porcelana, dada a sua transparência e singeleza, pensam que elas são constituídas de tecido ou feltro”, conta Holpert.
Outra proposta em andamento desenvolvida pelo artista diz respeito à arte aumentada, criando uma ponte entre a arte ancestral, ligada ao fogo e a cerâmica, para flertar com as propostas contemporâneas da arte digital. “O intuito é o mesmo: domar a porcelana para fazer trabalhos maiores, ter a oportunidade de oferecer instalações imersivas, onde o público possa interagir com as peças expostas,” conta o artista que viajou pelo mundo coletando informações para tornar suas criações o mais interativas possíveis. Como afirmava a artista brasileira Lygia Clark: “A chave para a pesquisa é a participação do público: a quebra da barreira que separa o espectador da obra e seu criador.” Simon Holpert está no caminho certo.
PORTRAIT © Florian Costenoble IMAGEM © Studio Simon Holpert
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