Júlio Villani

21 de fevereiro de 2017

Nascido em Marília, interior de São Paulo, o artista brasileiro Júlio Villani vive em Paris desde 1982 onde desenvolve seus múltiplos talentos como pintor, escultor, videoasta e construtor de objetos. Correspondance Magazine® teve o priviégio de visitar e fotografar o atelier do artista, que vive nos arredores de Bercy, para tentar absorver o espírito do local e poder traduzir em palavras seu processo criativo.

Escondido entre edifícios, rodeado por essa “concretude”, termo que Villani gosta de usar, seu ateliê é uma verdadeira caverna de Ali Babá repleto de engenhocas, brinquedos, objetos, telas, esculturas, um local extraordinário que nos transporta para um mundo de fantasias, onde a única verdade é a mais pura criação. Aqui, onde o artista trabalha e vive, cada objeto cuidadosamente guardado, cada citação exposta revela as inspirações, as influências e o mundo secreto do seu criador.

Passear pelo ateliê de Júlio Villani é como fazer um workshop que pode conduzir o visitante a uma época da mais tenra liberdade criativa: a infância. Um local onde todas as ideias são bem-vindas, onde o ato revelador atende por nomes como criatividade, emoção, curiosidade, criação, espontaneidade, doçura, sensibilidade. Muito mais que poético, o mundo de Villani é encantado porque tem como fio condutor captar o melhor de cada objeto com o intuito de convidar o visitante para uma viagem interior repleta de paisagens da infância. O conjunto da obra do artista pode ser admirado na bela monografia lançada pelas edições Somogy, na França, e distribuída pela editora Martins Fontes no Brasil, que mostra de maneira ampla e muito bem documentada o trabalho engenhoso de Júlio Villani.

Quais imagens da sua infância fazem referência ao artista que você se tornou?

– Carrego em mim várias imagens da infância das quais lanço mão com frequência. Especificamente uma parte do meu trabalho atual é uma extensão dos brinquedos construídos com restos de madeira que recuperava sistematicamente na oficina do meu pai e nas andanças que fazia pelas serrarias do bairro onde morava em Marília. No meu panteão artístico, guardo com carinho a figura de um senhor de origem japonesa que vagava pelas ruas da minha cidade com uma tesoura e uma pequena bolsa cruzada no peito cheia de papéis coloridos a partir dos quais recortava e vendia animais de todos os tipos; bastava solicitá-lo e com uma destreza e precisão inacreditáveis, ele fazia surgir do papel qualquer animal ou forma pedida.

De onde vem a sua paixão pelas artes plásticas?

– Acho que minha paixão pelas artes plásticas e pela livre poesia não “vem” de lugar nenhum, simplesmente chegaram comigo neste mundo e nunca nos separamos. Meus pais até que tentaram desviar minha atenção para algo mais “concreto” – a arquitetura – mas não conseguiram…

Como surgiu a ideia de viver de, para e pela arte?

– Como uma simples decorrência das escolhas de vida que fiz, nunca consegui me ver trabalhando em um escritório ou me tornando fazendeiro. Apesar de conhecer profundamente o mundo rural por ter acompanhado meu pai nas plantações de café, nos pastos e currais, poderia ter sido fazendeiro mas preferi ser e viver como artista.

Como você desenvolve, emocional e artisticamente, suas telas?

– Pela emoção. Mas não a desenvolvo, muito menos a controlo e, “artisticamente falando”, quando estou trabalhando não tenho nenhuma preocupação, o que ocorre é uma certa preparação. Existe sempre um aquecimento prévio da mão com o grafite sobre o papel antes de passar para a tela, ou recortando formas ao léu com a tesoura antes de me lançar sobre as colagens.

O que o termo “ser artista” significa para você

 O crítico de arte Mário Pedrosa dizia que “A arte é o exercício experimental da liberdade”. Ser artista é praticar este exercício a vida toda, sem tréguas.

Que tipo de suportes você costuma usar para compor seus desenhos e moldar suas formas?

– Papel, objetos garimpados, fotos antigas, utensílios de cozinha, pedaços de madeira, telas de linho, linha, lençóis de cânhamo, entre outros. Procuro integrar ao meu trabalho tudo o que faz (p)arte do meu dia a dia. Colagens de papel, riscos de carvão sobre a tela, esculturas com fio e prumo, transformações de objetos cotidianos, são simplesmente diferentes maneiras de obtê-lo.

Fale-nos um pouco sobre suas criações…

– Acho que o nó da minha obra é uma procura incessante de “um entre dois”, do prolongamento de uma indefinição: estruturas simultaneamente fixas e móveis, reais e sonhadas ou abstratamente concretas…

Como você escolhe seus temas artísticos?

– Não desenvolvo “temas” mas estou sempre em busca de um “fazer” artístico. E é na prática, por definição repetitiva, de um modo operacional (uma técnica), que surgem as ideias que ajudam a estruturar o caminho da obra e a explicar o conceito que o sustenta.

De que maneira você responde às encomendas que lhe são feitas?

– No começo com receio e cuidado pois, em princípio, uma encomenda me parecia minar a espontaneidade mas aprendi com o tempo, que uma encomenda pode, sobretudo, significar um grande desafio. As colaborações que tive, por exemplo, com a “Manufacture des Gobelins” e a “Savonnerie”, para a criação de tapetes foram momentos de intenso aprendizado e não menos rica em excitação criativa.

Quais são seus próximos projetos?

– Como sempre, o atelier está cheio de telas e colagens em andamento. Estou quebrando a cabeça para definir meios técnicos para produzir uma escultura, cuja maquete foi realizada em pequeno formato para a exposição que tive em Paris, no “Musée Zadkine”, em 2011, e agora chegou a hora dela “crescer”. Há também um projeto de obra “site specific” em estudo. Mas sobretudo vivo um momento particularmente intenso de mostrar o que andei fazendo através de exposições e com o lançamento de uma nova monografia “Julio Villani 1+1+1”, lançada pelas edições Somogy e distribuída pela editora Martins Fontes no Brasil.

Se você pudesse realizar três sonhos, quais seriam?

Viver de arte é um sonho que realizo todos os dias da minha vida. Quanto ao resto, sou do gênero que sonha acordado e vai realizando um “cadinho” de cada vez.

O que inspira você no cotidiano?

– O próprio cotidiano! Tudo o que me cerca, toda esta “concretude” do mundo pedindo para ser mudada, reinterpretada, olhada através de uma piscadela de poesia e humor.

IMAGENS – Christian Nouzillet 

 

 

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