Livros no espelho
Marguerite de Merode tinha como ambição reproduzir seu projeto “Livros no espelho” na França, e seu desejo foi realizado. Filha de um pai diplomata, Marguerite de Merode concorreu para o vestibular da Escola Nacional Italiana de Conservação do Patrimônio Artístico (ICR) e, logo depois de ter terminado seus estudos, criou uma empresa de restauração de arte. Cultivando sua paixão pela arte do século XXI ao longo do tempo até, finalmente mergulhar e se investir totalmente nesse mundo artístico-cultural. Para falar sobre esta exposição, que fica em cartaz até 01 de fevereiro de 2020, na grande galeria da Biblioteca Mazarine, em Paris, Marguerite de Merode respondeu gentilmente às questões da editora de Correspondance Magazine®. Escolher a Biblioteca Mazarine não foi um mero acaso, ela é uma verdadeira instituição francesa com mais de trezentos e cinquenta anos de história desde a sua fundação e, atualmente, é um museu do livro, biblioteca de estudos, centro de pesquisas e local ideal para acolher “Livros no espelho”. Reunindo 27 obras fotográficas, Marguerite de Merode tem uma abordagem artística única: a de refazer o retrato sem imagem das personalidades convidadas pela artista, dentre os quais, uma ampla gama de pensadores, criadores, pesquisadores de todos os horizontes, contemporâneos e representativos do século XXI: escritores, filósofos, poetas, historiadores de arte, antropólogos, músicos, editores, ensaístas, jornalistas, protagonistas do mundo científico e cultural francês. “Livros no espelho” é o testemunho visual e literario de uma obra representativa que transformou as vidas dessas personalidades.
Você é belga e vive em Roma, por que você decidiu exportar esse projeto para a França?
– Sendo por excelência o país ligado ao conceito de vida intelectual escolhi a França e, especificamente, as paredes da Biblioteca Mazarine, em Paris, pelo valor histórico do local, que é uma biblioteca que data do século XVII, considerada a primeira biblioteca pública francesa. O escopo inovador desses “retratos de texto” é precisamente apresentá-los no contexto de uma biblioteca histórica, a fim de provocar um diálogo interessante entre os livros encarregados da história de nossa sociedade e meus retratos sem pintura, que revelam certos aspectos incomuns dos personagens e refletem o mundo cultural de nossa época.
Conte-nos um pouco sobre este projeto “Livros no espelho”.
– Essa exposição é decorrente de uma reflexão sobre a possibilidade de produzir retratos literários de certos protagonistas da vida contemporânea, representativos da cultura do século XXI, através de um o livro ou texto que eles escolheram como referência pessoal e que tenha marcado ou transformado sua existência de maneira duradoura.
Como você estruturou essa exposição-conceitual?
– Quando escolhemos um livro que nos representa na realidade, colocamos em jogo a dimensão mais pessoal do nosso ser, geralmente a mais íntima, especialmente quando o livro em questão ajudou a moldar nossa identidade. Conversei com personalidades que usam a escrita para definir seu compromisso profissional: escritores, artistas visuais, músicos, poetas, profissionais de livros, ensaístas, jornalistas, personalidades voltadas para o grande mundo da ciência. Pedi que escrevessem um texto curto para mim, o que justifica a escolha da leitura. Tomei posse do livro escolhido e criei duas imagens ligadas à obra: uma do interior, que interpreta os elementos fundamentais fornecidos pelo personagem para representar a essência de sua escolha, uma frase, uma palavra, o título de um capítulo ou uma página completa, e uma das partes externas do livro, destacando sua pertinência com a experiência vivida pelo personagem. Dessa forma, criei um diálogo entre as imagens e o texto, como um retrato pessoal sem pintura desses grandes protagonistas da cultura francófona atual.
Que evento desencadeou em você essa paixão pela arte literária?
– Certamente minha chegada a Roma quando menina me permitiu respirar fundo na arte, mas é, vários anos depois, o encontro com meu curador artístico, Ludovico Pratesi, grande comunicador, que me permitiu descobrir a arte de hoje. Foi ao seguir uma dessas conferências, durante uma visita a uma grande feira de arte contemporânea que descobri toda essa riqueza. A arte conceitual tem sido uma revelação para mim. Cada trabalho (ou quase) torna-se uma porta aberta para o pensamento, um convite para refletir sobre o presente e o futuro. A arte contemporânea é um livro extremamente rico com todas inúmeras páginas que precisam ser descobertas. Surpreendentemente, uma vez perfurado o mistério de uma obra, não me sinto mais a mesma.
Como você qualificaria o gesto artístico tanto na literatura quanto nas artes?
– Tudo vem do inconsciente. Estou constantemente me questionando e me confrontando com situações que me estimulam, me intrigam e me forçam a pensar. Desde a introdução da fotografia no meu processo criativo, me tornei um coletor de imagens. Meus projetos nascem apesar de minhas limitações. Costumo passar alguns períodos do anoem companhia de artistas, com quem o processo de interação me obriga a ir além dos meus próprios conceitos.
O que poderia ser considerado improvisado nesse processo?
– Se você me perguntar sobre qual a parte de improvisação, responderei que os projetos que antecederam meu trabalho atual (Livros no espelho) são todos resultado de um encontro fortuito, que podemos chamar de “a improvisação do momento”. Um dos meus primeiros projetos reconhecidos e apreciados, “About Ali”, foi desenvolvido em torno da reunião, deliberadamente aleatori, em Londres, com um iraniano saindo de um período de 35 anos na prisão por um ano, um fato político sério. Esse encontro, fora do comum, criou uma sinergia mágica que me permitiu trabalhar sobre o vazio de uma vida, a solidão e o conflito. “Livros no espelho” foi desenvolvido em torno de um livro que foi abandonado num palácio italiano, no qual havia me aventurado. Ao descobrir esse livro aberto, deixado para trás, sobre uma mesa, no meio de uma sala empoeirada uma nova ideia surgiu. Essa descoberta fez com que, pouco a pouco, esse novo projeto pudesse tomar forma em mim.
Onde você encontra inspiração no cotidiano?
– Encontro inspiração nos detalhes da vida que as pessoas me revelam ou que descubro por acaso. As minúncias da vida cotidiana me fascinam e, desde sempre, tenho a tendência de realizar retratos dos personagens que encontro através dessa coleção de detalhes que eles me revelam. Não estou tentado a representá-los fisicamente. Gosto de criar retratos que não sejam retratos. Dessa forma eles parecem mais intrigantes.
Em que outros campos artísticos você tem interesse ou desejaria fazer novas experimentações?
– Graças ao meu treinamento como restauradora, desenvolvi uma boa habilidade manual com minha carreira e desenho anteriores, que continua sendo uma expressão direta entre o cérebro e a mão, essa é uma descoberta sempre renovada. É o instinto expresso através do desenho, que almejo desenvolver a técnica, pela alegria de manter minha arte manual. No meu trabalho anterior sobre restauração de arte, a liberdade manual era proibida, claro. Desenhar é um gesto arcaico e quero encontrar sua espontaneidade. Esse é um desafio constante, que não abandonarei.
IMAGEM – Cortesia da artista Marguerite de Merode © Todos os direitos reservados
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