Onde os rios se encontram

17 de janeiro de 2021

Heráclito de Éfeso, no século VI a.C., usou o rio como imagem da história em seu sentido mais amplo: o próprio fluxo da existência. A renovação permanente das águas do rio, que ao mesmo tempo persiste como uma unidade definida pelas suas margens, indica o jogo complexo entre mudança e continuidade que pode ser observado em tudo o que o acontece no mundo, tanto interior quanto exterior. A trajetória do músico Steve Tallis e seu mais recente album musical reflete essa metáfora do filósofo grego. De suas brincadeiras na escola com amigos ao espetáculo que o convenceu que ser artista era o sonho da sua vida, o currículo musical desse artista multifacetado é extenso, Steve começou a tocar em 1962 e a escrever canções em 1969 e desde então nunca mais parou.

Com uma rica produção de músicas, samples e espetáculos solo e em grupo, Steve Tallis conversou com exclusividade com Correspondance Magazine® para nos falar do lançamento de seu novo CD “Where many rivers meet”, em tradução livre, “Onde muitos rios se encontram” e nos contar suas peripécias musicais como compositor e cantor solo. “Minha vida artística nunca parou realmente, exceto nesses últimos meses com o vírus Covid19, mas continuo compondo músicas até hoje.” O álbum que nasceu durante uma pausa na carreira devido a pandemia é muito pessoal, de acordo com o artista, é “apenas mais um capítulo da minha vida” que rima com persistência, dedicação e amor à música. “Meus pais me levaram para ver Louis Armstrong e Trini Lopez no Capitol Theatre, o principal teatro para músicos em turnê em minha cidade natal Perth, Austrália Ocidental, em fevereiro de 1963. Saí daquele show e disse à minha mãe que seria músico pelo resto da vida,” confessa.

Quanto tempo você levou para planejar seu álbum “Where many rivers meet”?

– Fazia cerca de 5 anos desde meu álbum anterior “The First Degree”. Basicamente, queria gravar um álbum solo, já que a maior parte do meu trabalho ao vivo é solo. Sempre gravo a primeira tomada ao vivo. Essa é minha filosofia. Sem overdubs. Se as músicas funcionam, mantenho a gravação. Gravei 39 músicas em 10 horas.

Qual o conceito dessa coletânia?

–  Tenho um repertório enorme – cerca de 400 originais e milhares de outras canções. A ideia original era lançar um conjunto de 2 CDs, já que geralmente lanço tudo que gravo mas mudei de ideia e escolhi 25 das melhores e mais interessantes performances. O objetivo era reunir uma mistura de originais com um total de 16 faixas, algumas canções gospel e outras interpretações de canções Blues que gosto. Também queria que o álbum refletisse como seria um show ao vivo. Esse projeto foi criado basicamente para conseguir trabalho, já que tocar ao vivo para mim é o real sentido da música.

Quais foram as etapas para a preparação deste álbum? Conte-nos um pouco sobre a pesquisa que você fez para esse projeto.

– Nunca entro em estúdio de gravação a menos que esteja 100% pronto mental, espiritual e fisicamente. Algumas músicas não foram finalizadas porque gosto de fazer músicas espontaneamente. Algumas canções foram escritas alguns dias, semanas antes da gravação. Estou sempre compondo canções – escrevi quase 18 canções novas desde a gravação do álbum e trabalho de uma maneira antiquada, escrevendo tudo à mão, tenho muitos cadernos com minha canções registradas manualmente. Nunca uso o computador para compor canções, para ouvrir sim, para compor não. Registro novas ideias no meu celular atualmente porque é conveniente e, em seguida, carrego no meu computador para ouvrir, editar e excluir o que não considero interessante. Estou sempre mudando minhas músicas e penso que uma melodia nunca está necessariamente concluída apenas porque foi gravada. Se penso em letras mais interessantes quando estou no palco, também as modifico.

Qual foi o seu maior desafio em organizar este álbum durante este ano pandêmico?

– O mais difícil foi não poder realizar shows ao vivo, porque a maioria das minhas vendas acontecem durante esses eventos. Também sinto a necessidade de me apresentar para o público ao vivo, espiritualmente falando. Quanto mais toco, mais me sinto saudável em todos os sentidos – espiritualmente, fisicamente, mentalmente.

Como você encontrou ideias para incluir nesta coleção de música?

– Não tenho problemas com inspiração meu único desejo é continuar compondo novas músicas e tocando ao vivo – e lançando álbuns sempre que possível.

Qual é o seu fato favorito sobre “Where many rivers meet” e por quê?

– O fato de ser tão cru, emocionalmente e apaixonadamente sincero, que compila uma escolha com misturas interessantes de músicas. Sou uma pessoa muito reservada, mas musicalmente me abro e me expresso sem reservas. Tocar em solo também me dá total liberdade – e gosto do fato de que você não pode se esconder atrás de nenhum outro músico. Você fica nu musicalmente falando. Acredito em total liberdade, tanto para mim como para todos os meus músicos.

Quando aconteceu e como foi a sua primeira experiência como músico profissional?

– Minha primeira gravação foi em 1968 e sempre tive em mente certas filosofias sobre o que e como queria tocar música. Por exemplo, não fazíamos nenhum ensaio, tudo era gerado com muita improvisação e muitos músicos diferentes, aliás, vários deles se encontrando pela primeira vez no palco. Ainda mantenho essa filosofia. Conheço músicos ao redor do mundo e estou aberto a tocar com músicos que conheço em festivais. Já fiz isso muitas vezes, inclusive na Índia, Paquistão, África, México, Nova York. Basicamente, fiz parte de bandas por muitos anos até 1975, quando comecei a trabalhar solo, porque tinha o desejo de interagir com músicos de outros horizontes e tocar minha própria música.

Quais os seus próximos projetos?

– Tenho feito muitos samples em todo o mundo, graças às extensas redes que construí ao longo de muitos anos em muitos países. Estou esperando por novas oportunidades de turnês futuras, particularmente na Europa.

Por que é importante para você compartilhar sua música com o público?

– Para mim, música é para ser compartilhada com outros seres humanos. Acredito que a música é uma força de cura poderosa e certamente me curou e me manteve vivo ao longo de todos esses anos. Nada se compara a tocar música juntamente com um público, especialmente em ambientes mais intimistas. Já fiz apresentações para 30.000 pessoas na Índia mas prefiro concertos menores, mais íntimos, incluindo shows privados em apartamentos para ocasiões especiais, etc.

Qual é a parte mais gratificante da música para você?

– A música é minha paixão, minha vocação, minha vida. Vou tocar música até o dia ou a noite em que morrer. É essencial para mim, é como oxigênio.

Existe uma explicação para justificar seu amor pela música?

– Música é vida, ela me comove, me toca, me cura e é isso que desejo fazer aos outros seres humanos com a minha música. Escuto música desde que nasci. Meus pais me levavam para piqueniques, bailes quando eu era criança e me colocavam perto dos músicos e eu ficava feliz e tranquilo.

Olhando para o quadro geral, que valor a música oferece à sociedade no mundo moderno em sua opinião?

– Para mim, a música é uma parte essencial da vida. Infelizmente, nos dias de hoje, a música como aurte e como profissão foram desvalorizadas – principalmente devido ao streaming na Internet (os royalties pagos aos músicos são um insulto, na minha opinião). Muitas pessoas querem música de graça – ao vivo e gravada o que, para mim, é ridículo. Valorizo ​​o que faço e valorizo ​​a música em geral e não poderia viver sem música.

Já que você trabalha compulsivamente com música , você está desenvolvendo novos temas musicais para outro projeto?

– Já escrevi 18 músicas novas desde a gravação desse álbum, mas prefiro continuar compondo e ver o que acontece. Posso fazer um álbum com uma banda ou posso fazer outro projeto solo. O que é importante para mim é voltar para a estrada e fazer shows, turnês, espetáculos ao vivo. Tocaria todas as noites se pudesse. Esse exercício musical me deixa mais feliz, mais forte mentalmente, fisicamente e espiritualmente.

Por que é importante para você compartilhar essa paixão pela música com o público?

– Para mim, música é para ser compartilhada com outros seres humanos. Acredito que ela é uma força de cura poderosa e certamente me curou e me manteve vivo até hoje. Nada se compara a tocar música com o público, especialmente em ambientes íntimos. Já me apresentei para 30.000 pessoas na Índia e mais de uma centena muitas vezes na minha vida – o que gosto – mas prefiro shows menores, incluindo apresentações personalizadas e privadas.

Qual é a parte mais gratificante de ser e viver de música para você?

– A música é minha paixão, minha vocação, minha vida. Vou tocar música até o dia em que viver. A música é essencial como oxigênio para mim.

O que você conhece sobre a música brasileira?

– Escuto música brasileira desde os anos 1960. Meu percussionista em alguns de meus discos, Gary Ridge, mora no Rio com sua esposa brasileira. Sempre quis fazer uma turnê por lá. Um dia espero que esse projeto se realize. Amo ritmo, então gosto de músicos como Olodum, Jorges Jen, Gilberto Gil, Bahia Black, Carlinhos Brown, Timbalada, João Gilberto, Milton Nascimento, Marisa Monte, Lenine, Egberto Gismonti, Hermeto Pascoal, Maria Bethania, Elis Regina, Arnaldo Antunes, Arto Lindsay, Luiz Gonzaga e muitos mais. É um país que sempre me fascinou – culturalmente, musicalmente. Tenho certeza que seria uma experiência muito gratificante para mim tocar lá.

EDIÇÃO DE TEXTO – Marilane Borges

IMAGEM – Cortesia do artista Steve Tallis © Aaron Burden © Todos os direitos reservados

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