Stéphane Mallarmé e a Moda

10 de dezembro de 2018

A moda sempre fascinou os maiores escritores. Honoré de Balzac, em 1830, publicou no jornal La Mode, “O Tratado da vida elegante” onde por meio de uma análise sobre o dandismo, ele faz uma crítica real da sociedade. Théophile Gautier demonstra em 1858 na revista De la mode que a vestimenta é a peculiaridade do ser humano em comparação com o animal. Muitos autores veem na moda um aspecto estético, um elemento constitutivo do “Belo”, uma noção famosa na poesia de Charles Baudelaire. Este último dedica em 1863 um breve estudo sobre a moda no livro “O pintor da vida moderna”, onde tenta entender a relação do belo e da modernidade. Baudelaire considera três características fundamentais na moda, à saber, que ela é relativa, constitutiva do belo e significativa da modernidade. Tudo isso dependente de uma época da história e do sexo. Segundo ele, a moda é também uma representação do presente, o que explica sua natureza efêmera, considerada como inseparável da modernidade. Muitos são os grandes escritores que abordaram, descreveram ou analisaram a moda, mas muito poucos se aventuraram a escrever uma revista de moda e Stéphane Mallarmé foi um deles.

Além de crítico francês, Stéphane Mallarmé era um grande poeta simbolista e sua obra antecipou e inspirou várias escolas artísticas revolucionárias do início do século XX, como o Cubismo, o Futurismo, o Dadaísmo e o Surrealismo. Desde 1867 Mallarmé sonhava em escrever em uma revista mensal de luxo, a L’Art Décoratif,  e esse interesse foi previamente evocado em 1872, numa carta que ele escreveu para seu amigo José-Maria de Heredia: “Eu agora coleciono nos vários cantos de Paris a assinatura que é necessária para começar uma revista linda e luxuosa cujo pensamento me domina: A arte decorativa.” Em 1874, ele conhece seu vizinho Charles Wendelen, proprietário e editor da revista La Dernière Mode que, sob sua direção, consistia numa publicação apenas com gravuras e litografias sem qualquer texto, com edições publicadas entre agosto e dezembro deste mesmo ano e que teria sido lançada no verão de 1873.  Durante o ano de 1874, Charles Wendelen pede que Mallarmé colabore com a nova fórmula da revista, que desta vez conta com textos.

O escritor torna-se, então, o diretor da publicação e único editor literário de La Dernière Mode, assinado com pseudônimos todas as rubricas, para esconder sua verdadeira identidade. Vale ressaltar que Mallarmé usava nomes de mulheres para dar mais credibilidade junto aos seus leitores do sexo feminino. Alguns dos pseudônimos usados por Mallarmé eram “Marguerite de Ponty”, para a rubrica de moda e teoria da moda; “Miss Satin” quando escrevia sobre as notícias das casas de moda de Paris; “Ix”, crítico masculino assinando textos relacionados ao teatro e livros; “Le Chef de bouche chez Brébant” para restauração e alimentos. De setembro a dezembro de 1874, Mallarmé foi o editor exclusivo da revista La Dernière Mode, uma publicação veiculada todo primeiro e terceiro domingo do mês. Empolgado com esse empreendimento jornalístico, Mallarmé se cerca de colaboradores literários, como Théodore de Banville, Léon Cladel, François Coppée, Alphonse Daudet, Emmanuel Des Essarts, Ernest d’Hervilly, Albert Mérat, Catulle Mendès, Sully Prudhomme e Léon Valade, que contribuem com a revista através de versos ou notícias. Apenas Émile Zola, Leon Dierx e Villiers de l’Isle-Adam, embora tivessem sido convidados, não tiveram tempo de escrever um texto antes da última edição. La Dernière Mode distingue-se das outras publicações pelo zelo da sua tipografia, layout e pela escolha de cores, uma verdadeira revolução para a época. Mallarmé se esforça para tornar este diário de moda inteligível graças à clareza do sumário que informa as diferentes partes da revista com suas rubricas de “Moda”, que fornece detalhes sobre as novas tendências; “Gazeta da Moda”, que informa sobre a moda internacionalmente; “Crônicas de Paris”, que evoca as novidades teatrais, literárias, belas artes e os eventos parisienses, e ainda “Correspondência com Assinantes.” Cada uma dessas categorias é escrita por Mallarmé, que assume todos os gêneros e os endossa com leveza e fantasia.

No início desse projeto editorial, Mallarmé encontra algumas dificuldades para assumir todas essas funções, particularmente no que diz respeito ao domínio específico do estilo jornalístico. Seus primeiros textos são indicativos da falta de experiência do escritor: longos, impessoais e formam um catálogo compacto com descrições apresentadas num denso bloco descritivo. A partir da segunda edição, Mallarmé melhora seu estilo, tornando a leitura mais fluida ao adotar as convenções descritivas de moda sem correr muito o risco de entediar seu público. A retórica dos textos de La Dernière Mode ganham uma nota mais literária e artística durante os números seguintes e Mallarmé apresenta a quarta edição como sendo o verdadeiro começo da revista, usando um vocabulário preciso empregado em referência à alta-costura e descreve em minúncias as tendências de moda do momento. Na verdade, ele escreve sobre a moda num formato diferente e torna-se quase um especialista no assunto. O escritor consegue dessa forma assumir o seu talento de cronista de moda e assina suas matérias sob seu verdadeiro nome, o que indica uma vontade de reconhecimento no único trabalho registrado e assinado por Stéphane Mallarmé no La Dernière Mode. Perfeitamente à vontade como o rei da crônica de moda, ele tenta surpreender seus leitores, criando uma ligação real com seu público, especialmente através da rubrica “Correspondência com os assinantes.”

Ao longo desse empreendimento jornalístico, Mallarmé presta muita atenção às cores e, particularmente ao azul, que é a cor dominante do La Dernière Mode. A estética das cores é o fio condutor do escritor que segue as estações do ano, do final do verão até o começo do inverno, para escrever seus textos com essas nuances. Mallarmé desenvolve sua poética através do tema da natureza, amplamente discutido em suas colunas e funda a poética “Mallarmeana”, que se estabelece na cadência da sugestão para tirar partido do ritmo de suas crônicas, atrasando o aparecimento de suas descrições e retardando a revelação do assunto de suas descrições. O escritor se explica em 1891, durante uma entrevista com o jornalista francês Jules Huret, sobre seu estilo de escrever, nesses termos:  “Nomear um objeto é remover três quartos do prazer do poema que é feito da felicidade de adivinhar pouco a pouco: sugerir isso é um sonho. É o uso perfeito deste mistério que constitui o símbolo: evocar um objeto pouco a pouco para mostrar um estado mental, ou, inversamente, escolher um objeto e revelar um estado mental, por meio de uma série de descrições.”

É sob esse prisma que Mallarmé escreve os artigos de La Dernière Mode se concentrando-se, principalmente, no assunto de suas descrições para citar as roupas independentemente do corpo. Cada parte do corpo é evocada por suas roupas: ele não fala da cabeça, mas do chapéu, não evoca os pés, mas os sapatos, e não menciona as pernas, mas as saias. O editor usa a imagem do vapor para descrever as roupas, sugerindo assim o corpo feminino. A oitava edição de La Dernière Mode data de 20 de dezembro de 1874 e marca o fim do empreendimento jornalístico de Mallarmé. A seção “Moda” serve como um epílogo para esta aventura jornalística e o escritor parece saber que ele está escrevendo seus últimos artigos e aproveita para agradecer aos seus leitores pela sua participação e acompanhamento. Stéphane Mallarmé se despede da comunidade jornalística e lamenta profundamente perder seu papel como cronista da moda. Apesar da grande variedade de temas abordados, da qualidade editorial reconhecida por seus leitores e a fama de seus colaboradores não foram suficientes para salvar La Dernière Mode.

Mallarmé parece afetado por este fim que ele mesmo considera como um fracasso pessoal, já que foi o único a assumir as várias responsabilidades da revista. O final de La Dernière Mode sob a direção de Mallarmé é brutal, e a primeira suposição que pode-se fazer é a questão financeira e a publicação não gera dinheiro suficiente para se manter no mercado, em parte, devido à falta de modernidade do La Dernière Mode, que retratava as tendências atuais em costura, mas sem considerar a modernização da distribuição da moda, que não funcionava mais num sistema personalizado. Os clientes estão se voltando cada vez menos para o sob medida para escolherem um modelo que já existe entre as mais variadas propostas de coleções, os famosos catálogos. Essa falta de  atenção em relação à nova realidade sócio-econômica talvez tenha sido um dos erros estratégicos do desaparecimento de La Dernière Mode sob a direção editorial de Mallarmé. O escritor levava em conta as novidades criativas mas não se concentrava nas mudanças comerciais. Ele abordava em suas crônicas as tendências atuais da época, detalhando da melhor maneira possível para seus leitores e fornecendo informações sobre os padrões de costura, sem considerar, no entanto, o sistema de coleções que eliminou a moda sob medida.

Ao adotar as técnicas jornalísticas associadas ao seu estilo poético, Mallarmé insere a moda como objeto de estudo em um jornal e, além disso, coloca o jornal de moda como um ramo que ultrapassa a literatura. Na oitava edição de La Dernière Mode, ele confessa almejar que seus textos sejam “uma coleção para estudar a moda como uma arte”, todavia, em nenhum outro momento durante sua carreira literária, Stéphane Mallarmé dá informações ou explicações sobre a sua colaboração no La Dernière Mode, e não se explica tão pouco sobre seu empreendimento jornalístico, de modo que a revista se tornou uma obra “oculta” do poeta. Ele cita La Dernière Mode apenas uma vez em uma carta ao poeta Paul Verlaine, que data de 16 de novembro de 1885, onde diz: “… tenho alguns artigos compilados, aqui e ali, que escrevi sozinho sobre moda, joias, móveis, peças de teatro e cardápios de jantar, num jornal, La Dernière Mode, cujo oito ou dez números publicados ainda servem para me consolar quando os retiro da poeira do tempo e os quais ainda me fazem sonhar.”

*Este texto foi exposto pela especialista Alice Léger, experte em Moda Vintage da casa de leilões francesa Artcurial, no departamento “Hermès Vintage & Fashion Arts”, onde trabalha como especialista responsável pela organização de vendas dedicadas às peças da Maison Hermès em Paris e Mônaco. Graduada em literatura moderna com Mestrado em mediação cultural, Alice Léger teve como objeto de estudo a “Moda na literatura do século XIX: A última moda de Stéphane Mallarmé”, parte dessa pesquisa foi apresentada durante a programação dos seminários “Histórias da Moda”, organizado pela rede de pesquisadores do Cultures de Mode, que acontece no Instituto de História do Tempo Presente – IHTP-CNRS – em Paris.

TRADUÇÃO & EDIÇÃO DE TEXTO – Marilane Borges

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